domingo, 22 de junho de 2025

Donald Trump vai ser indicado para o Prémio Nobel da Paz

 
Fiquei deveras surpreendido, a 21 de junho, com a notícia veiculada pelo Expresso online de que o governo do Paquistão anunciara a intenção de nomear, formalmente, o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, para o Prémio Nobel da Paz, pela intervenção na crise daquele país com a União Indiana.
Nos termos de um comunicado, o governo paquistanês fundamentou a nomeação com a “liderança decisiva” e com a “intervenção diplomática” de Donald Trump no conflito entre aquelas potências nucleares. “Num momento de intensa turbulência regional, o presidente Trump demonstrou uma grande visão estratégica e uma excecional habilidade política, mediante uma sólida interação diplomática com Islamabade e [com] Nova Deli, que reduziu a escalada de uma situação que se deteriorava rapidamente, alcançando, finalmente, um cessar-fogo”, refere o texto.
O anúncio foi conhecido após uma reunião, em Washington, entre o chefe do Exército do Paquistão, Asim Munir, e o presidente norte-americano. 
Diferentemente de Islamabade,  afirmações de Donald Trump sobre o papel de mediador chocam com a postura oficial de Nova Deli. 
A crise entre os dois países vizinhos, detentores de armas nucleares, ocorreu em maio, quando ambos se bombardearam mutuamente. A escalada desencadeou-se após um atentado terrorista, em 22 de abril, que ceifou a vida de dezenas de turistas (morreram, pelo menos, 26 pessoas), em Pahalgam, cidade turística da parte indiana da disputada região de Caxemira. A Índia acusou o Paquistão de patrocinar o ataque, apoiando os homens armados que o levaram a cabo – alegação sobre a qual não apresentou provas públicas e que Islamabade negou veementemente.
No dia 20, o dia em que anunciou a antecipação da assinatura do acordo entre a República Democrática do Congo (RDC) com o Ruanda, para o dia 23, inicialmente marcado para o dia 27, Donald Trump, reivindicando também a manutenção da paz entre o Egito e a Etiópia, escreveu, na sua rede social Truth Social: “Não receberei um Prémio Nobel da Paz, por conter a guerra entre a Índia e o Paquistão, independentemente do que faça, incluindo Rússia/Ucrânia e Israel/Irão, quaisquer que sejam esses resultados, mas as pessoas sabem e isso é tudo o que me importa.
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A Índia e o Paquistão anunciaram, a 10 de maio, um acordo de cessar-fogo, após negociações lideradas pelos EUA, para pôr fim ao conflito entre os dois rivais com armas nucleares.
O acordo aconteceu, após semanas de confrontos espoletados por um atentado a tiro contra turistas, como ficou dito, na Caxemira indiana, pelo qual a Índia culpa o Paquistão. Foi o confronto mais grave das últimas duas décadas e fez dezenas de civis mortos de ambos os lados.
Horas antes, o presidente dos EUA tinha afirmado que a Índia e o Paquistão concordaram com um cessar-fogo, referindo estar satisfeito com o resultado das negociações. “Parabéns a ambos os países, por usarem o bom senso e a inteligência. Obrigado pela atenção dada a este assunto”, escreveu Donald Trump, nas redes sociais.
O cessar-fogo com efeito imediato” foi confirmado, nessa data, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros paquistanês, Ishaq Dar, adiantando que o seu país sempre lutou pela paz e pela segurança na região, “sem comprometer a sua soberania ou a integridade territorial”. A responsável das Forças Armadas indiana, Vyomika Singh, anunciara, em conferência de imprensa, que Nova Deli está empenhada na “não escalada [do conflito], desde que o lado paquistanês retribua” a postura. E o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, falou com as autoridades indianas e com o chefe do exército paquistanês, Asim Munir, e pediu a ambas as partes que encontrassem formas de acalmar os ânimos.
Após o referido incidente e depois de várias medidas diplomáticas e de uma série de outros incidentes, ao longo da fronteira que separa os dois países, em Caxemira, os dois governos lançaram ataques e bombardearam cidades vizinhas, provocando quase 100 mortos. Tais combates intensificaram-se ao longo dos dias, apesar dos pedidos de contenção militar da comunidade internacional e de o Irão se ter oferecido para mediar conversações entre os dois países vizinhos.
O conflito armado, a que o 10 de maio pôs termo, está longe de ser inédito. Os dois países, que reivindicam a totalidade da região de Caxemira, têm estado em conflito, desde a sua independência, em relação ao Reino Unido, em 1947. Lembro-me de, em miúdo, na minha terra natal, se falar numa guerra entre a Índia e o Paquistão, não percebendo eu porquê. Só fiquei com a ideia de que a Índia era má, porque, aquando da tomada de Goa, Damão e Diu pela União Indiana, nos diziam, na escola primária, que o pandita Neru roubou a Índia portuguesa. Até pronunciava o termo “pandita”, com raiva, porque pensava que era nome feio (eu tinha 10 anos). Se me tivessem ensinado que  título “Pandit” é um termo honorífico, em Sânscrito, a significar “erudito” ou “professor”, ter-me-iam dado uma informação mais condicente com o cargo do primeiro-ministro indiano. Porém, a orientação do ensino era a da necessidade de manter o Ultramar, que era nosso. E quem o tentasse conquistar era terrorista.
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Ações retaliatórias na sequência do referido incidente terrorista envolveram mísseis e a escalada preocupava os embaixadores dos dois países em Portugal.
Nas primeiras horas da madrugada de 7 de maio, a Índia anunciou ter bombardeado nove locais, tanto na Caxemira administrada pelo Paquistão como no próprio Paquistão, mais concretamente, na província de Punjab, que é um viveiro de revolta, desde 1947, quando a Índia e o Paquistão se tornaram independentes e o marajá (título nobre equivalente a “grande rei”) de Caxemira decidiu juntar-se à Índia hindu, apesar da maio­ria muçulmana que ali vivia.
Os sobreviventes desse ataque, falando a meios de comunicação internacio­nais, como as agências Associated Press e Reuters, disseram ter sido alvo de um massacre com o objetivo de matar Hindus, pois, antes de serem assassinadas, as vítimas foram questionadas sobre a sua religião. É um dos piores momentos na longa História de guerra sectária entre a Índia e o Paquistão.
A Índia atribui o ataque na cidade de Pahagalm a islamitas apoiados pelo Paquistão, que nega qualquer responsabilidade e pediu uma investigação neutra. Depois de, numa fase inicial, ter assumido responsabilidade pelo atentado, a Frente da Resistência, que surgiu, em 2019, e é vista como ramificação do grupo Lashkar-e-Taiba (Exército de Deus), localizado no Paquistão, rejeitou qualquer envolvimento.
Na ação militar lançada, a 6 meio, pela Índia, com o nome Sindoor – referência ao pó vermelho usado pelas mulheres hindus na testa, depois de casadas e, por conseguinte, homenagem simbólica às viú­vas das vítimas de Pahalgam –, morreram, pelo menos, 26 paquistaneses e oito indianos. Segundo as autoridades indianas, os mísseis visaram apenas “infraestruturas terroristas”, mas o Paquistão rebateu estas informações.
O ministro da Defesa paquistanês, Khawaja Asif, disse à GeoTV, nas primeiras horas de 7 de maio, que os ataques atingiram áreas civis e que a Índia mente, quando afirma estar a alvejar apenas “campos terroristas”. Um dos ataques atingiu uma mesquita, na cidade de Bahawalpur, no Punjab, matando 13 pessoas, incluindo duas meninas de três anos, de acordo com o jornal The Guardian. Islamabade, que prometeu retaliar, afirmou ter abatido cinco caças indianos em autodefesa e 12 drones, que alega terem violado o seu espaço aéreo, mas não se confirmou a destruição dos caças Rafale, os mais avançados do arsenal indiano, comprados à França.
Segundo Daniel Pinéu, professor de Relações Internacionais na Universidade de Amesterdão, que também já lecionou na Universidade Quaid I Azam, em Islamabade, havia “demasia­dos passos de escalada, pelo que “o Paquistão tem de calibrar um ataque de retaliação”. Porém, ambos os lados querem responder de modo que “a resposta não leve, depois, a outra retaliação mais dura”, já que “um erro na calibração pode levar a uma escalada para o patamar nuclear”, cenário que “ninguém quer”.
Além do lado militar do conflito, há a retórica da informação-desinformação, dinâmica, por muitos, considerada uma grande técnica de guerra. Assim, o embaixador paquistanês em Portugal, Muhammad Khalid Ejaz, apelava a uma investigação independente, pois, na sua ótica, o incidente estava a ser usado para levantar vozes contra o seu país. Já o embaixador indiano, Puneet Kundal, defendeu que as discussões entre os dois países deviam ser bilaterais, pelo que não gostava muito de intervenções de terceiros ou estrangeiras na Índia, pois a Índia teve, desde o início, uma política externa independente.
Há acusações dos dois lados. Muhammad Khalid Ejaz sustenta que houve “operações de falsa bandeira anteriormente atribuídas ao Paquistão” e que “a Índia não apresentou provas que impliquem” o seu país no ataque terrorista (incidente de falsa bandeira ocorre quando um país cria um problema e atribui a culpa ao oponente, para retaliar com base no incidente fabricado). E Puneet Kundal recorreu ao passado, para alegar que aquilo que se está a passar é a continuação do uso do terror como instrumento de política externa que o Paquistão tem mantido enquanto nação. Depois, afirmou que as redes de comunicação e o equipamento usados no ataque sustentam ligação entre os seus autores e o Estado paquistanês. Contudo, as provas que o governo da Índia garante ter ainda não foram apresentadas em público.
A possibilidade de escalada era preocupação que os embaixadores demonstravam. Na verdade um erro de cálculo ou uma aventura imprudente pode gerar uma espiral crescente de guerra e constituir um perigo para a paz e para a segurança. Neste aspeto, Puneet Kundal avisava que, numa ação militar, há o envolvimento de toda a nação, com os civis a fazer parte de todo este cálculo. Os custos económicos, militares e sociais são enormes.
No meio de tudo isto, os dois países, em que a situação de pobreza é generalizada, têm cerca de 170 ogivas nucleares cada e uma troca nuclear, mesmo “limitada”, pode matar dezenas de milhões de pessoas. A Índia garante que a política nuclear de Nova Deli “está muito bem definida” e contempla a não utilização contra Estados não nucleares e que não será o primeiro utilizador. Ao invés, o Paquistão, embora conheça os perigos de uma escalada nuclear e continue a exercer o máximo de contenção possível, admite o uso de “todo o espectro nacional de poder, para defender a integridade territorial e a soberania”.
Tanto o Paquistão como a Índia controlam partes de Caxemira, no sopé dos Himalaias, e reclamam a sua totalidade, disputa que remonta à divisão da Índia britânica, em 1947, período conhecido como Partição, quando pequenos “Estados principescos”, semiautónomos, estavam a ser incorporados na Índia ou no Paquistão.
Após uma série de disputas fronteiriças, a região acabou dividida em áreas administradas pela Índia (Jamu e Caxemira) e pelo Paquistão (Azad Caxemira e Gilgit-Baltistan), separadas pela Linha de Controlo, ao longo da qual a troca de tiros é constante.
Desta vez, centenas de famílias fugiram das respetivas casas na Caxemira indiana, após a escalada do conflito entre a Índia e o Paquistão, com ataques mútuos a provocar mais de uma dezena de civis mortos. O governo regional da Caxemira administrada pela Índia aconselhava as famílias que viviam mais perto da fronteira a saírem da zona e a procurarem maior segurança nos distritos do interior. E as companhias aéreas da Índia suspenderam os voos em mais de duas dezenas de aeroportos nas regiões Norte e Oeste do país.
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São dois países fortemente armados que, em última análise, não têm pejo em utilizar todo o tipo de recursos bélicos, não se importando com a vida dos civis e, muito menos, com a pobreza ou com o esbatimento das desigualdades económicas e sociais. É caso para questionar se o nosso futuro maior investimento na Defesa – 5% do produto interno bruto (PIB) – entrará na economia e, através dela, no Estado social ou se acontecerá como na Índia e no Paquistão.
Quanto a Donald Trump, só é de esperar que o Comité do Nobel não caia na sandice de o galardoar com o Prémio Nobel da Paz. A sua política estratégica não merece confiança. Prometeu não envolver os EUA em novos conflitos. Todavia, a de 21 de junho, os EUA entraram na guerra de Israel contra o Irão, bombardeando as três principais instalações envolvidas no programa nuclear iraniano, e Donald Trump ameaçou Teerão com mais ataques, se “a paz não chegar rapidamente”.
Segundo o Pentágono, bombardeamentos estratégicos visaram a fortaleza subterrânea de Fordow, a principal fábrica de enriquecimento de urânio do Irão, num ataque que foi complementado pelo lançamento de até 30 mísseis Tomahawk, a partir de submarinos contra duas outras instalações, Natanz e Isfahan.
Este cenário de guerra a alargar já levou tanto o presidente do Conselho Europeu, António Costa, como a alta representante da União Europeia, Kaja Kallas, a apelar ao regresso à mesa das negociações, para se evitar uma nova escalada do conflito, na região.
Donald Trump, que prometeu pôr termo à guerra da Rússia com a Ucrânia e à guerra de Israel com o Hamas, sem sucesso, não merece o Nobel da Paz. Contudo, o Comité do Nobel atribuiu este prémio a Barack Obama, no início do seu primeiro mandato de presidente norte-americano, que, ao invés do que prometeu não encerrou a Prisão de Guantánamo, como o atribuiu à União Europeia, num momento em que a sua luta pela paz era bastante controversa.
Ora, neste Mundo, quanto mais vivermos, mais veremos. Provavelmente, Donald Trump até será canonizado em vida!  

2025.06.21 – Louro de Carvalho


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