sábado, 6 de dezembro de 2025

A nova legislação do Trabalho configura um grave retrocesso social

 

Algum progresso conseguido com a legislação enquadrada pela Agenda do Trabalho Digno (ATD) está prestes a ser revertido pelo pacote laboral denominado Trabalho XXI que o executivo da República pretende levar por diante, sem que isso tenha sido apresentado ao eleitorado em programas eleitorais, nem no Programa do Governo apresentado na Assembleia da República (AR) – o que está a levantar celeuma com o patronato a esfregar as mãos de contentamento e os trabalhadores a perderem direitos protegidos constitucionalmente e pelas leis vigentes.
O governo prepara uma profunda revisão das leis do Trabalho, com mais de cem artigos em alteração, tendo o anteprojeto a levar à AR, sem consenso, aberto confronto direto com os sindicatos e empurrado o país para a greve geral marcada para 11 de dezembro.
O anteprojeto, que está em debate com os parceiros sociais, desde o verão, não mereceu nenhuma tentativa de aproximação, no essencial, da parte do executivo, que intentou evitar a greve geral, com negociações e com alguns recuos em algumas das propostas, o que não foi suficiente para a União Geral de Trabalhadores (UGT), que já decidiu, em definitivo, pela paralisação a 11 deste mês. Ao mesmo tempo, ignorou a existência da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGT-IN).
Esta será a primeira greve geral realizada, em conjunto, pelas principais centrais sindicais, desde 2013, a que estão a aderir muitas outras organizações sindicais.
Na nova versão do anteprojeto, os pais voltam a poder recusar horários noturnos e fins de semana e cai a compra de dois dias de férias, sendo recuperados os três dias de férias dependentes da assiduidade. Porém, mantém-se o limite de dois anos para amamentação, com obrigatoriedade de atestado aos 12 e 18 meses, medidas de simplificação dos despedimentos por justa causa, nas pequenas empresas, e os subsídios em duodécimos, voltam a depender do empregador.
Enquanto a CGTP exige a retirada integral do anteprojeto, a UGT insiste que está aberta a negociar o conteúdo desse pacote, mas frisou que tem linhas vermelhas das quais não está disposta a abdicar. Não obstante, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, admitiu que, mesmo sem consenso na Concertação Social, a reforma seguirá para a AR, o que poderá resultar em nova legislação que, na ótica das centrais sindicais, não atende às preocupações dos trabalhadores e “aumenta a precariedade” no mercado laboral.
Na AR, deverá ficar nas mãos do partido Chega a viabilização da revisão da lei laboral.
Desde o banco de horas individual ao outsourcing, após despedimentos, passando pelas mudanças nos contratos de trabalho – que se pretendem cada vez mais a termo e com mais longo tempo do período experimental, são vários os pontos que separam os representantes dos trabalhadores e o governo, segundo o qual se deve atenuar o “grau de rigidez da legislação laboral”, no pressuposto incerto de que as alterações à legislação laboral flexibilizarão o mercado de trabalho, à semelhança do que já fazem alguns países nórdicos e da Europa Central. No entanto, o executivo também pretende recuperar medidas revogadas pelo governo do Partido Socialista (PS) liderado por António Costa.
Uma das traves mestras do pacote laboral, por parte do governo, é o regresso do banco de horas individual, mas em moldes diferentes do que deixou de existir em 2019. Estabelece-se que o modelo possa ser instituído, por acordo entre o empregador e o trabalhador, prevendo que o período normal de trabalho possa ser aumentado, até duas horas diárias, atingindo as 50 horas semanais, tendo o acréscimo o limite de 150 horas, por ano, e incluindo um período de referência que não pode exceder os quatro meses. Nestes termos, o “empregador deve comunicar ao trabalhador a necessidade de prestação de trabalho, com a antecedência mínima de três dias” e, existindo saldo a favor do trabalhador, o total de horas não compensadas é pago em dinheiro.
Alega-se que o banco de horas individual é caraterística de países europeus com modelo de flexisegurança, que alia o equilíbrio entre a flexibilidade no mercado de trabalho (as empresas têm maior capacidade de contratar e de despedir trabalhadores e os funcionários têm horários mais flexíveis) e a alta proteção social (subsídios de desemprego elevados e encorajamento da formação). Entre os países que têm este modelo, estão países escandinavos, como a Dinamarca e a Suécia, e países da Europa Central, como a Alemanha, os Países Baixos e a Áustria.
Paralelamente, o anteprojeto propõe o alargamento a todas as empresas e a todas as funções da possibilidade de o empregador pedir ao tribunal que afaste a reintegração do trabalhador ilegalmente despedido. Hoje, só as microempresas e os casos de cargos de administração ou de direção dão direito a tal afastamento. Ora, para os sindicatos, isto é um “passo atrás”, deixando o trabalhador cada vez mais exposto à ofensiva patronal. Por outro lado, o governo propôs a simplificação dos despedimentos por justa causa. Ou seja, as micro, pequenas e médias empresas poderão avançar com despedimentos por justa causa, por factos imputáveis ao trabalhador, sem apresentarem provas pedidas pelo trabalhador, nem ouvirem o que as testemunhas apresentam para o defender, durante o processo disciplinar. Também estas medidas merecem fortes críticas dos sindicatos.
O governo quer ainda revogar a norma que estabelece restrições ao outsourcing (contratação de trabalho externo), durante um ano, após despedimentos. Neste momento, as empresas que levem a cabo despedimentos coletivos ou por extinção do posto de trabalho ficam impedidas de recorrer a outsourcing, durante 12 meses, para satisfazerem as necessidades que eram asseguradas por esses trabalhadores. Esta foi uma das medidas mais polémicas da ATD – a revisão das leis do trabalho levada a cabo pelo governo de António Costa, em 2023 –, tendo sido fiscalizada pelo Tribunal Constitucional (TC). E, apesar de os juízes do Palácio Ratton terem decidido que o travão ao outsourcing não viola a Constituição, o governo quer retirá-lo do Código do Trabalho, revogando a norma que proíbe a aquisição de serviços externos a terceiros para satisfazer necessidades que foram asseguradas por trabalhador(es) cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por despedimento por extinção de posto de trabalho – medida que tem a aprovação das confederações empresariais.
As alterações aos contratos de trabalho são outro dos principais pontos que afastam os parceiros sociais na negociação da nova legislação laboral. O que o governo propõe é estender a duração máxima dos contratos a prazo: de dois para três anos, nos contratos a termo certo, e de quatro para cinco anos, nos contratos a termo incerto. Além disso, quer alargar as situações em que é possível fazer contratos a termo, nomeadamente, pela norma que permite às empresas contratarem jovens a prazo, com o fundamento de que não têm experiência. Em concreto, o governo quer que volte a ser fundamento para este tipo de vínculo a contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato por tempo indeterminado ou que esteja em situação de desemprego de longa duração (agora, só os desempregados de muito longa duração poderiam justificar contratos a termo).
A medida visa, alegadamente, facilitar a integração de jovens no mercado de trabalho e estimular o primeiro emprego, permitindo às empresas contratar, com maior flexibilidade, em situações onde o trabalhador não tem histórico de vínculo permanente. Porém, na visão dos sindicatos, isso torna os contratos a prazo a regra do mercado, em vez da exceção, fomentando a precariedade.
Também há novas regras na renovação destes vínculos. Atualmente, o contrato de trabalho a termo certo pode ser renovado, até três vezes, não podendo a duração total das renovações exceder a do período inicial. O governo, não querendo mudar o número máximo de renovação, propõe a eliminação da regra que dita que o total de renovações não pode exceder a do período inicial do contrato. Ou seja, propõe a retirada de um dos limites à renovação dos contratos a termo.
Outra das mudanças que o executivo pretende introduzir é a possibilidade de os trabalhadores voltarem a poder escolher se querem receber os subsídios de férias e de Natal em duodécimos ou da forma tradicional, tal como acontecia até 2018. Atualmente, em relação ao subsídio de férias, o Código do Trabalho prevê que o trabalhador e a entidade patronal possam chegar a acordo para que o pagamento possa ser feito em momentos diferentes. A modalidade foi introduzida no tempo da troika, em 2013, mas deixou de ser obrigatória.
Além destas, há várias outras que separam os sindicatos do governo, mas cuja distância tende a ser menos pronunciada. Desde a área da parentalidade (com alterações nas licenças parentais, na amamentação e no luto gestacional) ao teletrabalho, à formação nas empresas ou ao período experimental dos contratos de trabalho, havendo um alargamento dos setores que passam a estar abrangidos por serviços mínimos em caso de greve (são quase todos).

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A UGT já emitiu o seu tempo de antena dedicado à greve geral de 11 de dezembro, alertando o país para “o maior ataque aos direitos laborais das últimas décadas”. Neste sentido, sublinha que o Trabalho XXI “facilita despedimentos, aumenta a precariedade, abre espaço a outsourcing, sem controlo, e fragiliza direitos essenciais, como a contratação coletiva, a formação, a parentalidade e o direito à greve”.
Afirma que tentou negociar com seriedade, mas que o processo ficou bloqueado, por falta de abertura e de respeito pelas matérias essenciais. Por isso, a greve geral é “resposta democrática e necessária”. Por conseguinte, a mensagem da UGT e dos seus sindicatos é clara: “A 11 de dezembro, os trabalhadores escolhem entre o retrocesso e a luta por um futuro mais justo.”
A UGT reafirma o seu compromisso: “Greve Geral – 11 de dezembro. Em defesa de quem trabalha. Ao lado dos trabalhadores. Sempre.”

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Por seu turno, a CGTP-IN, em petição dirigida ao primeiro-ministro, contextualiza, frisando o agravamento das “condições de vida dos trabalhadores, dos reformados e dos jovens, fruto de baixos salários e pensões, do aumento do custo de vida, da dificuldade de acesso a bens e serviços e de efetivação do direito à saúde, à escola publica, à segurança social, à habitação, entre outros”, em contraste com “a acumulação de lucros dos grandes grupos económicos”. Porém, ao arrepio desta situação, o governo “apresentou um conjunto de propostas de alteração à legislação laboral que, caso se concretizassem, representariam um enorme retrocesso”.
No dizer da CGTP-IN, “este pacote laboral com mais de 100 alterações à lei é um assalto aos direitos de todos os trabalhadores, nomeadamente das mulheres e dos jovens, e uma afronta à Constituição da República Portuguesa”. Por isso, os trabalhadores rejeitam “este pacote laboral”, no seu todo e em especial, entre outras, as seguintes medidas:
“A facilitação ainda maior dos despedimentos e a tentativa de aplicação dos despedimentos sem justa causa”, assim como “a desregulação dos horários de trabalho, a imposição de bancos de horas e do trabalho suplementar não pago”;
“A generalização e a eternização da precariedade, com o alargamento dos prazos e motivos dos contratos a termo e a facilitação do recurso a diversas formas de contratação precária”;
“O ataque aos direitos das crianças, com a limitação dos direitos dos pais no acompanhamento dos filhos e a restrição dos direitos de maternidade e paternidade”, bem como “o ataque à liberdade sindical, ao direito de informação e de organização e a tentativa de impedir a entrada dos sindicatos nas empresas”;
“O ataque ao direito de greve, com o alargamento e a imposição de serviços mínimos como serviços máximos, para fragilizar a resistência às arbitrariedades patronais e a luta por mais salário e direitos”, assim como “a facilitação da caducidade/extinção de contratos coletivos e uma maior limitação do princípio do tratamento mais favorável para impor condições abaixo das que a própria lei prevê”.
Nestes termos, a CGTP-IN proclama que “os abaixo-assinados, rejeitam o pacote laboral de assalto aos direitos, exigem a sua retirada e reivindicam: o aumento geral e significativo dos salários, a revogação das normas gravosas que a lei já hoje contém, a defesa e reforço dos serviços públicos e das funções sociais do Estado”.

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Com a experiência acumulada e de olhar mais distanciado, políticos que foram ministros de governos da direita analisaram, para o Expresso, a proposta de revisão laboral apresentada pelo governo e o clima de contestação. Entre José da Silva Peneda, Bagão Félix e Pedro Mota Soares, só um deles é defensor quase incondicional da oportunidade do pacote laboral, do método seguido e das propostas que contém.
Para Silva Peneda, “os governos têm de corresponder a objetivos que mobilizem as pessoas” e. “esta proposta não mobiliza, divide”, por ser “inoportuna e desequilibrada” e por vir “em contraciclo com as necessidades”. Por exemplo, os empresários dizem que as prioridades são “a burocracia excessiva, os atrasos crónicos dos tribunais e a política fiscal, não uma revisão laboral nos termos em que esta foi apresentada”.
Bagão Félix assinala que “faltou um bocadinho de paciência ao governo”, que “foi um bocadinho à bruta” e que “não é um bom passo para um processo negocial que se quer de boa-fé”. Apesar de defender a necessidade de rever estas leis, “porque a economia e a sociedade mudaram, do ponto de vista da natureza das empresas, da flexibilidade produtiva, do mercado laboral na ótica da imigração”, o ex-governante não compreende as opções do executivo. Por exemplo, não revogaria a limitação do recurso ao outsourcing, após despedimento, e entende que, no caso de abuso da amamentação, a solução não é mudar a lei, mas reprimir o abuso.
E, segundo Mota Soares, a agenda é reformista e o governo, “após ser confrontado com a greve geral, teve capacidade de manter o espírito de diálogo”. Porém, sustenta que a flexibilidade não pode levar à precariedade.

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Apesar de os três ex-governantes privilegiarem a negociação com a UGT (todos sabemos porquê), salientam a importância da concertação social, pelo que o governo devia ouvi-los. Porém, deve recuar nos itens apontados pela UGT e pela CGTP, ouvir as genuínas dificuldades do patronato e fazer a reforma, tendo como escopo a resposta à inteligência artificial e ao trabalho remoto. Enfim, melhorar a lei, não piorá-la. Salários baixos e precariedade não resolvem as questões da produtividade e da competitividade. No entanto, os privados “desviam” do setor público gestores de topo e especialistas, a quem remuneram bem. Os outros funcionários podem viver do ar, enquanto não for privatizado.

2025.12.05 – Louro de Carvalho

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