sábado, 11 de outubro de 2025

María Corina Machado galardoada com o Prémio Nobel da Paz

 

A 10 de outubro, o Comité Norueguês do Nobel anunciou que a venezuelana María Corina Machado, “uma campeã corajosa e empenhada da paz” foi distinguida com o Prémio Nobel da Paz, “pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela”.
Jorgen Watne Frydnes, presidente do Comité Nobel, ao anunciar a vencedora, descreveu-a como “uma mulher que mantém acesa a chama da democracia no meio de uma escuridão crescente”.
O Comité Norueguês do Nobel justifica a decisão da escolha da candidata “pelo trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”. “María Corina Machado cumpre os três critérios estabelecidos no testamento de Alfred Nobel para a seleção do laureado com o Prémio da Paz. Ela uniu a oposição do seu país. Nunca vacilou na resistência à militarização da sociedade venezuelana. Tem sido firme no seu apoio a uma transição pacífica para a democracia”, lê-se no respetivo comunicado.
María Corina Machado, é uma das figuras mais firmes e influentes da oposição ao regime de Nicolás Maduro. Ao longo da sua carreira, destacou-se pela firme postura contra o Chavismo e por denunciar a corrupção, a repressão e as violações de direitos humanos no país. Por conseguinte, foi impedida de concorrer às eleições presidenciais da Venezuela, em 2024, e vive escondida na Venezuela, desde então. “No último ano, a senhora Machado foi forçada a viver na clandestinidade. Apesar das graves ameaças contra a sua vida, permaneceu no país, uma escolha que inspirou milhões de pessoas”, refere o comunicado.
A senhora Machado tem sido uma figura fundamental e unificadora numa oposição política que, antes, estava profundamente dividida – uma oposição que encontrou um terreno comum na exigência de eleições livres e um governo representativo”, escreve o Comité Norueguês do Nobel, reforçando: “Numa altura em que a democracia está ameaçada, é mais importante do que nunca defender este terreno comum.”
O anúncio feito em Oslo situa-se numa altura especialmente conturbada. De acordo com a Universidade sueca de Uppsala, desde 1946 que não havia tantos conflitos armados a envolver, pelo menos, um Estado. E foram apresentadas 338 nomeações para o prémio, incluindo 244 indivíduos e 94 organizações.
Este é o único dos Nobel atribuído em Oslo pelo Comité do Nobel Norueguês. As restantes categorias são anunciadas em Estocolmo, capital da Suécia. Já foram anunciados os vencedores nas categorias de Medicina, de Física, de Química e de Literatura.  O Prémio Nobel da Economia, a última categoria a ser anunciada, será conhecido a 13 de outubro.
A cerimónia de entrega do prémio terá lugar a 10 de dezembro, data do aniversário da morte de Alfred Nobel, um rico industrial sueco e inventor da dinamite, que fundou os prémios. Morreu em 1896.
Com a atribuição do prémio indiviso à líder da oposição da Venezuela, ficaram goradas as conhecidas aspirações de Donald Trump em ser galardoado, neste ano, com o Prémio Nobel, que o próprio entendia merecê-lo, ter feito o suficiente para isso. Terá de esperar.
O recente acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza seria, pelo menos, segundo o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), mais um argumento de peso a seu favor, embora a Academia norueguesa tenha afirmado, categoricamente, a 9 de outubro, que a decisão sobre quem receberia o galardão, neste ano, foi tomada no dia 6, antes de o entendimento ser finalizado.
Após o anúncio do Nobel, Jorgen Watne Frydnes foi questionado sobre Donald Trump e se a pressão exercida pelo líder da Casa Branca influenciou, ou não, a decisão. Em resposta, Jorgen Frydnes afirmou que, “na longa História” do Prémio Nobel da Paz, o comité já testemunhou campanhas e “tensão mediática”. “Baseamos a nossa decisão apenas no trabalho e na vontade de Alfred Nobel”, enfatizou.
Há muito que Donald Trump cobiça o prestigiado Prémio Nobel da Paz e fez um lobby agressivo para o obter, mencionando o seu papel na intermediação de uma série de acordos internacionais de cessar-fogo, até porque Barack Obama também o recebeu, a 9 de outubro de 2009, quase no início do primeiro mandato (20 de janeiro) – uma decisão que gerou polémica. Afinal, os EUA estavam envolvidos em duas guerras, no Iraque e no Afeganistão. Além disso, até então, as estratégias diplomáticas de Barack Obama para resolver conflitos no Oriente Médio e os esforços para impedir a proliferação de armas nucleares não tinham qualquer efeito prático.
A Casa Branca criticou a decisão do Comité Nobel de não atribuir o prémio da paz deste ano ao presidente Donald Trump, afirmando que “provaram que colocam a política acima da paz”. “O presidente Trump vai continuar a fazer acordos de paz, a acabar com guerras e a salvar vidas. Ele tem o coração de um humanitário e nunca haverá ninguém como ele, capaz de mover montanhas com a pura força da sua vontade”, escreveu o porta-voz da Casa Branca, Steven Cheung, no X.

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María Corina Machado Parisca nasceu a 7 de outubro de 1967, em Caracas, no seio de uma família abastada ligada à indústria siderúrgica venezuelana. A sua família tem raízes na elite empresarial do país, o que marcou a sua educação em instituições privadas de prestígio. Formou-se como engenheira industrial na Universidade Católica Andrés Bello, em 1989, e especializou-se, depois, em Finanças no Instituto de Estudos Superiores. E, antes de se dedicar à política (o que sucedeu quando sentiu o clique da injustiça), desenvolveu uma carreira empresarial. A sua formação técnica e experiência no setor privado moldaram-lhe a visão liberal da economia e da defesa do livre mercado, princípios que viriam a ser fundamentais no seu discurso político.
Esteve casada com o empresário Ricardo Sosa Branger, entre 1990 e 2001, casamento no qual nasceram três filhos: Ana Corina, Ricardo e Henrique. Há cerca de uma década, mantém relação discreta com o advogado Gerardo Fernández, embora mantendo a sua vida pessoal afastada do foco mediático, concentrando-se na atividade política. Os três filhos vivem fora da Venezuela, por motivos de segurança, situação que reflete as tensões políticas e os riscos que a família enfrenta, mercê do seu ativismo opositor. Apesar da distância, a opositora política expressou, publicamente, o forte vínculo que mantém com os filhos.
O ponto de inflexão na sua vida surgiu durante a crise política de 2002, quando a Venezuela vivia profunda polarização, sob o Governo de Hugo Chávez. Nesse ano, fundou a Súmate, uma organização civil que se tornou um ator-chave na defesa do direito ao voto e na promoção de mecanismos de participação cidadã, especialmente, o referendo revogatório.
A Súmate organizou a recolha de assinaturas para o referendo revogatório contra Hugo Chávez em 2004, processo que gerou enorme controvérsia e pôs Corina Machado no centro do debate político nacional. O governo acusou-a de receber financiamento estrangeiro e de conspirar contra o Estado, acusações que ela sempre negou. Esta experiência tornou-a uma figura polarizadora e visível da oposição.
Em setembro de 2010, foi eleita deputada à Assembleia Nacional (AN) com o maior número e margem de votos de qualquer representante nessa contenda. O seu desempenho parlamentar foi marcado por discursos contundentes e confrontos diretos com representantes do chavismo, o que lhe valeu o reconhecimento como uma das vozes mais combativas da oposição. Durante o seu mandato denunciou, sistematicamente, violações de direitos humanos, corrupção governamental e a deterioração das instituições democráticas. O seu estilo confrontacional e a recusa em negociar com o governo diferenciaram-na de outros líderes opositores mais moderados.
Em 2013, fundou o Vente Venezuela, um partido político de orientação liberal que se tornou a sua principal plataforma política. Desde então, consolidou a sua posição como uma das principais referências da oposição, especialmente, entre os setores mais radicais que rejeitam qualquer diálogo com o regime de Nicolás Maduro. A sua liderança carateriza-se por um discurso de princípios inquebráveis, de defesa da liberdade económica e política, de rejeição absoluta do modelo socialista. Tal postura gerou admiração fervorosa e críticas pela sua inflexibilidade.
O regime de Nicolás Maduro inabilitou-a, politicamente, em 2023, impedindo-a de se candidatar nas eleições presidenciais de 2024. Não obstante, venceu as primárias da oposição com um apoio avassalador, tornando-se a figura indiscutível do movimento antichavista.
Face à impossibilidade legal de ser candidata, apoiou a candidatura de Edmundo González Urrutia, mantendo o seu papel como líder moral e como estratego da campanha opositora. A sua capacidade de mobilizar milhões de venezuelanos, incluindo a diáspora, demonstrou a sua influência política, para lá de qualquer cargo formal.
É uma figura profundamente polarizadora na Venezuela. Para os seguidores, representa a resistência incorruptível, face à ditadura, uma líder corajosa disposta a sacrificar tudo pela democracia. Já os críticos apontam-na como uma representante da elite económica desligada das necessidades populares e acusam-na de promover posições políticas extremas. Todavia, é indiscutível é a sua capacidade para manter acesa, em momentos de profundo desânimo, a chama opositora, a resistência frente à perseguição governamental e a determinação inquebrável. O Prémio Nobel da Paz de 2025 reconhece, precisamente, essa trajetória de luta pacífica pela democracia em condições extraordinariamente adversas.

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Edmundo González foi um dos primeiros a felicitar, pelo telefone, a galardoada, tendo esta confessado estar “em choque” com a notícia do Prémio Nobel. Porém, ao Comité, tinha falado num “dos maiores reconhecimentos ao povo” do país.
Minutos antes de a notícia ser dada ao Mundo, María Corina Machado foi contactada pelo Comité Norueguês do Nobel a informá-la da decisão. Num vídeo publicado pela instituição, é possível ouvir a reação da venezuelana, incrédula com a notícia. “Sou apenas uma pessoa. Certamente não mereço isto. […] Não tenho palavras, obrigada, mas espero que perceba, que isto é um movimento, uma realização de toda a sociedade” é possível ouvir Corina Machado durante a chamada telefónica com Kristian Berg Harpviken, diretor do Instituto Nobel da Noruega.
“Esta é certamente um dos maiores reconhecimentos ao nosso povo, que merece”, explicou María Corina, ao telefone, a quem foi pedido que mantivesse segredo sobre a premiação, durante mais alguns minutos, até que o prémio fosse divulgado.
Nas primeiras reações ao Nobel, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen felicitou María Corina pela distinção, afirmando que o prémio concedido honra não só a sua coragem e convicção, mas também “todas as vozes que se recusam a ser silenciadas”.
Também a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, enfatizou como a “sua luta incansável pela liberdade e pela democracia, na Venezuela, tocou corações e inspirou milhões de pessoas em todo o Mundo”.
O diretor de comunicação da Branca afirmou que “o Comité Nobel provou que coloca a política acima da paz”, mas que “o presidente Trump continuará a fazer acordos de paz, a pôr fim a guerras e a salvar vidas” escreveu Steven Cheung, na rede social X.
A agência das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) parabenizou a vencedora do Prémio Nobel da Paz, vincando que o reconhecimento “reflete as claras aspirações do povo da Venezuela por eleições livres e justas, por direitos civis e políticos e pelo Estado de Direito”.
Corina Machado vive atualmente escondida na Venezuela. Foi distinguida pelo Comité do Nobel “pelo seu trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos do povo da Venezuela e pela sua luta para alcançar uma transição justa e pacífica da ditadura para a democracia”.

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Não podemos esquecer que, a 10 de janeiro deste ano, foi noticiado que a líder da oposição venezuelana tinha sido detida na véspera, mas que fora, rapidamente, libertada e que está “num lugar seguro”, na sequência de um episódio bizarro que encerrou um dia de protestos, convocados pela oposição e que a própria liderou, para impedir que o presidente Nicolás Maduro permanecesse no poder. Também enviou votos de melhoras a uma cidadã venezuelana que foi baleada pelas forças repressivas do regime, enquanto permanecia detida.
Os líderes da América Latina e do resto do Mundo condenaram a detenção e exigiram a sua libertação imediata. E, cerca de uma hora após a detenção, surgiu, na Internet, um vídeo que pretendia ser uma prova de vida de Corina Machado, com a duração de 20 segundos, em que esta afirmava ter sido seguida, após ter saído do “fantástico comício” e ter deixado cair a mala. E os seus assessores disseram, mais tarde, que ela foi forçada a gravar a mensagem e que, depois disso, foi logo libertada.
Entretanto, os apoiantes de Nicolás Maduro negaram que a líder da oposição tivesse sido detida e acusaram a oposição de espalhar notícias falsas, com vista a gerar uma crise internacional.
No dia 10, Corina Machado dirigiu-se a centenas de apoiantes que responderam ao seu apelo para sair à rua, um dia antes de a AN, controlada pelo partido no poder, prestar juramento a Maduro para um terceiro mandato consecutivo de seis anos, apesar das provas credíveis de que perdeu as eleições presidenciais de 28 de julho, para Edmundo González. “Queriam que lutássemos uns contra os outros, mas a Venezuela está unida, não temos medo”, gritou Corina Machado do alto de um camião na capital, antes de ser dada como detida.
“O facto de María Corina estar em liberdade não minimiza o que aconteceu, pois ela foi raptada em condições de violência”, afirmou Edmundo González, que exigira a sua libertação imediata após a notícia da detenção.
O então presidente eleito dos EUA, Donald Trump, também se manifestou, numa publicação na sua própria rede social, a Truth Social, afirmando que “estes combatentes da liberdade não devem ser feridos e devem permanecer seguros e vivos!”

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Há quem sustente que é inadequada a atribuição do Nobel da Paz a uma figura de oposição a um regime que permanece igual. Pode subjazer a este juízo um dos seguintes motivos: simpatia pelas diligências trumpianas (a meu ver, de equívoca validade) ou o facto de a opositora venezuelana pertencer à área político-económica liberal. Ora, com todo o mérito inerente a isso, a luta pela paz não se faz só pelo resultado de fim de guerra ou de regime repressivo. A luta pela paz faz-se e deve ser premiada pelo esforço excecional em prol da liberdade, da justiça social, dos direitos humanos (para todos), da democracia política, social económica e cultural e do Estado de Direito.

2025.10.10 – Louro de Carvalho


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