terça-feira, 23 de setembro de 2025

Persiste a riqueza de poucos e aumenta a pobreza de muitos

 

De acordo com o relatório de janeiro, sobre a riqueza e a desigualdade, do grupo de luta contra a pobreza, a Oxfam International, o património dos mais ricos do Mundo cresceu dois mil milhões de dólares, em 2024, três vezes mais depressa do que em 2023, e o número de bilionários aumentou para 2769, uma multidão que poderia encher a Sala de Concertos da Ópera de Sydney.
Na Zona Euro, o produto interno bruto (PIB) é de cerca de 15 mil milhões de dólares (14,5 mil milhões de euros), o equivalente ao que os bilionários de todo o Mundo possuíam em 2024.
Segundo o relatório, a riqueza dos bilionários aumentou dois mil milhões de dólares (1,94 mil milhões de euros), em 2024, o equivalente a cerca de 5,7 mil milhões de dólares (5,4 mil milhões de euros), por dia, três vezes mais depressa do que em 2023. Só no último ano, surgiram, em média, quase quatro novos multimilionários, por semana, o que a Oxfam põe em contraste com os dados do Banco Mundial (BM), o qual estima que o número de pessoas que vivem na pobreza, com menos de 6,85 dólares, por dia (6,64 euros, por dia) quase não se alterou, desde 1990.
O relatório prevê a criação de, pelo menos, cinco trilionários, na próxima década. Há um ano, o grupo previa que apenas um trilionário surgiria nesse período.
Em 2024, havia, em todo o mundo, 2769 multimilionários, em vez de 2565, em 2023, e a sua riqueza combinada aumentou de 13 para 15 biliões de dólares (12,6 para 14,5 biliões de euros), em apenas 12 meses. É o segundo maior aumento da riqueza combinada dos multimilionários num único ano, desde que há registos.
A riqueza conjunta dos dez homens mais ricos do Mundo aumentou, em média, quase 100 milhões de dólares (97,2 milhões de euros), por dia, de acordo com o estudo, que refere que, mesmo que perdessem 99% da sua riqueza, de um dia para o outro, “continuariam a ser multimilionários”.
A nível mundial, o relatório revela que 36% da riqueza dos mais ricos é herdada e 61% é também marcada pelo clientelismo e/ou ligada ao poder monopolista.
A Oxfam baseia-se nos dados do ranking de riqueza da revista Forbes, que mostram que todos os multimilionários com menos de 30 anos herdaram a sua riqueza e, segundo dados do banco suíço UBS, nos próximos 20 a 30 anos, mil dos multimilionários atuais deixarão aos seus herdeiros mais de 5,2 biliões de dólares.
Para a Oxfam, o sistema “faz com que se movam grandes fluxos de dinheiro do Sul global para o Norte, beneficiando a população mais rica”, numa espécie de “colonialismo moderno”.
Só em 2023, através do sistema financeiro, terão sido retirados 30 milhões de dólares (29,1 milhões de euros), por hora, dos países do Sul global para o 1% mais rico dos países do Norte global, como o Reino Unido, os EUA e a França. Deste modo, os “super-ricos” dos países do Norte global controlam 69% da riqueza mundial, concentram 77% da riqueza conjunta de todos os multimilionários e representam cerca de 68% do total, embora constituam apenas 21% da população mundial. E, para contextualizar esta desigualdade, a Oxfam foca o problema da habitação, em Espanha, e estima que “os cinco futuros bilionários do planeta terão tanto dinheiro que poderão comprar todas as casas do país”.
O estudo da Oxfam, intitulado “Takers Not Makers” (“Tomadores não criadores” ou “A pilhagem continua”), foi publicado, em janeiro, quando a elite política e financeira mundial se preparava para se reunir em Davos, na Suíça, para participar no Fórum Económico Mundial, que reúne, todos os anos, os principais líderes políticos e económicos do Mundo naquela cidade alpina.
Entretanto, o bilionário Donald Trump, então apoiado pelo homem mais rico do Mundo (que parece estar, hoje, em segundo lugar), Elon Musk, estava prestes a tornar-se o 47.º presidente dos Estados Unidos da América (EUA).
O diretor executivo da Oxfam International, Amitabh Behar, considera que “a captura da nossa economia global por uns poucos privilegiados atingiu dimensões outrora consideradas inimagináveis”, que o fracasso em travar os bilionários está a gerar futuros trilionários e que, não só a taxa de acumulação de riqueza dos bilionários acelerou, mas também o seu poder.
Referindo-se ao presidente dos EUA e ao empresário bilionário Elon Musk, Amitabh Behar disse que não são indivíduos específicos, mas o sistema económico que criámos, com os bilionários capazes de moldar as políticas económicas e sociais em função do lucro cada vez maior.
À semelhança do apelo de Joe Biden para que os bilionários “comecem a pagar a sua quota parte” através do código fiscal dos EUA, a Oxfam apelou aos governos para que tributem os mais ricos, com vista à redução da desigualdade e da riqueza extrema e a “desmantelar a nova aristocracia”. Entre as medidas sugeridas pelo grupo, contam-se o desmantelamento dos monopólios, a limitação da remuneração dos diretores executivos e a regulamentação das empresas, para se garantir que pagam “salários dignos” aos trabalhadores.
Em média, os países de baixo e médio rendimento gastam quase metade dos orçamentos nacionais no pagamento da dívida, o que ultrapassa, largamente, o investimento conjunto na Educação e na Saúde. Ao mesmo tempo, a esperança de vida, em África, é de pouco menos de 64 anos, em comparação com mais de 79 anos, na Europa.
A Oxfam propõe uma série de medidas para mitigar a crescente desigualdade entre os mais ricos e o resto do planeta, sugerindo, entre outras, que os governos se comprometam a garantir que o rendimento dos 10% mais ricos da população não excederá o dos 40% mais pobres, tanto a nível nacional como mundial. E insta ao aumento dos impostos sobre as grandes fortunas, através de um sistema fiscal internacional concebido pela Organização das Nações Unidas (ONU), e à eliminação dos paraísos fiscais.

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Entretanto, um relatório intitulado “Do lucro privado ao poder público: Financiar o desenvolvimento, não a oligarquia” e divulgado, a 26 de junho, pela Oxfam International, no âmbito da preparação da Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que se iria realizar, na semana seguinte, em Sevilha, no Sul da Espanha, concluiu que a riqueza acumulada, desde 2015, por 1% dos mais ricos do Mundo permitiria erradicar a pobreza, 22 vezes.
No documento, esta organização não governamental (ONG) denunciou que a riqueza dos 1% mais ricos aumentou 33,9 biliões de dólares (cerca de 29 biliões de euros), em termos reais, desde 2015, quando foram acordados os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). E esta nova análise revelou um “aumento astronómico” na riqueza privada, entre 1995 e 2023, com um crescimento de 342 biliões de dólares (296,4 biliões de euros), oito vezes maior que o da riqueza pública, o que a leva a acusar os governos ricos de estarem a fazer os maiores cortes na ajuda ao desenvolvimento, “algo essencial para a sobrevivência”, desde que os registos de ajuda começaram em 1960.
“A riqueza de apenas três mil multimilionários aumentou 6,5 biliões de dólares [5,63 biliões de euros] em termos reais, desde 2015, e representa, agora, o equivalente a 14,6% do PIB mundial”, afirmou a ONG, aduzindo que só os países do G7 (grupo dos sete países mais desenvolvidos do Mundo), que representam cerca de três quartos de toda a ajuda oficial, estão a reduzi-la, em 28%, até 2026, em comparação com 2024.
Simultaneamente, a crise da dívida “está a levar à falência os países pobres, que estão a pagar muito mais aos seus credores ricos do que podem gastar em salas de aula ou [em] hospitais”, segundo o relatório, que também examina o papel dos credores privados, que “representam mais de metade da dívida dos países de baixo e médio rendimento, exacerbando a crise da dívida com a sua recusa em negociar e [com] as suas condições punitivas”. “Os países ricos colocaram Wall Street no comando do desenvolvimento global. Trata-se de uma tomada de controlo global das finanças privadas que ultrapassou as estratégias com base empírica, para combater a pobreza, através do investimento público e de uma tributação justa”, afirmou o diretor-geral da Oxfam.
A Oxfam apelou aos governos para que subscrevam as propostas políticas “que propõem uma mudança radical, combatendo a desigualdade extrema e transformando o sistema de financiamento do desenvolvimento”. Tais propostas incluem: o desenvolvimento de novas parcerias estratégicas contra a desigualdade; a rejeição do financiamento privado como uma “solução milagrosa” para o desenvolvimento; a tributação dos ultrarricos; e a reforma da arquitetura da dívida, bem como a revitalização da ajuda. “É tempo de rejeitar o consenso de Wall Street e, em vez disso, dar o controlo aos cidadãos. Os governos devem atender às exigências generalizadas de tributar os ricos e acompanhá-las com uma visão de construção de bens públicos, desde os cuidados de saúde à energia”, considera Amitabh Behar.

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Com razão, disse o bispo auxiliar de Manágua, na Nicarágua, Silvio Báez, que a idolatria do dinheiro é o verdadeiro problema das ditaduras e cartéis latino-americanos.
Silvio José Báez Ortega, de 67 anos, é bispo auxiliar de Manágua, na Nicarágua, desde maio de 2009. Em 23 de abril de 2019, como uma das vozes mais críticas à ditadura de Daniel Ortega e de Rosario Murillo, na Nicarágua, deixou a terra natal, ante a perseguição do regime. E está no exílio, nos EUA. Porém, a 23 de agosto, ele e outros dois bispos nicaraguenses foram recebidos, em audiência, por Leão XIV, no Vaticano, que o confirmou como bispo auxiliar de Manágua.
O prelado, embora não tenha mencionado nenhum país, na homilia da missa que celebrou, a 21 de setembro, na Igreja de Santa Ágata, em Miami, referia-se às ditaduras de Daniel Ortega, na Nicarágua, de Miguel Díaz-Canel, em Cuba, e de Nicolás Maduro, na Venezuela, acusado pelo governo dos EUA de ser o líder do Cartel de los Soles, organização de narcotráfico.
Um dia, “todos nós, sem exceção, deixaremos este Mundo, e Deus pedir-nos-á contas de como usamos as riquezas e os dons que Ele nos concedeu”, declarou Silvio Báez. Com o exemplo do mau uso desses dons, exortou a pensar “nas ditaduras, em alguns dos nossos países, ditadores que agem na escuridão e sem escrúpulos morais para enriquecerem a qualquer custo”. “Não esqueçamos que a raiz dos principais problemas […] não é política, mas moral”, pediu.
O bispo disse que “a maioria dos males do nosso povo advém da ambição desmedida por riqueza, das cúpulas que dominam o poder, que veneram o dinheiro, independentemente de terem de sacrificar seres humanos ou todo o povo com a sua dignidade, as suas liberdades e o seu futuro”. “Este é o verdadeiro problema das ditaduras, dos cartéis e das sociedades decadentes da América Latina: o ídolo do dinheiro”, disse o prelado, segundo o qual “essas pessoas inescrupulosas e imorais se enriquecem com atos flagrantes de corrupção, acumulando cada vez mais dinheiro para si, suas famílias e seus entornos”.
“Eles confiscam terras e propriedades, aberta e ilegalmente. Impõem o seu poder, através da repressão, e até concedem, ilegalmente, concessões para a extração dos recursos naturais do país a potências estrangeiras, empobrecendo o seu povo e colocando em risco a soberania nacional. Essas pessoas imorais e perversas conspiram, dia e noite”, denuncia o bispo.
E prosseguiu, na linha do que expressava a liturgia dominical: “Aqueles de nós que sonhamos com novas sociedades nas quais resplandeçam os grandes ideais de liberdade, de justiça, de paz e de defesa dos direitos humanos devemo-nos lembrar do que Jesus nos diz, hoje, na última frase do Evangelho: ‘Não se pode servir a Deus e ao dinheiro’. […] O grande mal deste Mundo é a idolatria do dinheiro, que toma o lugar de Deus e exige seres humanos como sacrifícios. Devemos usar o dinheiro para o bem comum, não servir ao dinheiro como se fosse um deus. […] Em vez de ambição e corrupção, revistamo-nos da sabedoria evangélica, criando com a riqueza redes de solidariedade para ajudar os mais pobres e de colaboração mútua para nos comprometermos juntos na luta pela mudança social”.
O Evangelho de hoje, concluiu Báez, “convida-nos a não divinizarmos o dinheiro e a agir com inteligência e sabedoria espiritual”.

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Também o Papa Leão XIV disse, no mesmo da 21 de setembro, que não se pode servir a Deus e à riqueza e pediu orações para que os políticos não transformem o capital que administram em “armas que destroem as pessoas”. “Hoje, em particular, a Igreja reza para que os governantes das nações sejam livres da tentação de usar a riqueza contra o homem, transformando-a em armas que destroem os povos e em monopólios que humilham os trabalhadores”, disse o bispo de Roma, na homilia da missa que celebrou na paróquia de Santa Ana, cuja igreja, que fica dentro dos muros do Vaticano, está confiada, desde 1929, à Ordem Agostiniana, a que Leão XIV pertence. E convidou os fiéis a perseverarem, com esperança, na oração, “num tempo seriamente ameaçado pela guerra”. “Povos inteiros são, hoje, esmagados pela violência e, ainda mais, por uma indiferença descarada, que os abandona a um destino de miséria”, disse.
Exortando a não sermos passivos, “diante dessas tragédias”, convocou os crentes a anunciarem, com palavras e obras que Jesus é o Salvador do Mundo, Aquele que nos liberta de todo o mal”.
Ao comentar o Evangelho, frisou que não se pode servir a Deus e às riquezas. “Não se trata de uma escolha contingente, como tantas outras, nem de uma opção revisível ao longo do tempo, dependendo das situações. […] É preciso decidir um verdadeiro estilo de vida. Trata-se de escolher onde colocar o nosso coração, de esclarecer quem amamos sinceramente, a quem servimos com dedicação e qual é realmente o nosso bem”, enfatizou.
No dizer de Leão XIV, é por isso que Jesus contrapõe a riqueza a Deus e fala assim, porque sabe que somos criaturas indigentes, que a nossa vida está cheia de necessidades e que, “desde que nascemos, pobres e nus, todos precisamos de cuidados e afeto, de uma casa, de comida, de roupa”.
Vincando que “a sede de riqueza corre o risco de tomar o lugar de Deus no nosso coração, quando pensamos que é ela que salva a nossa vida”, focou-se na tentação de pensar que, “sem Deus, poderíamos viver bem, ao passo que, sem riqueza seríamos tristes e afligidos por mil necessidades”. Ora, “quem serve a Deus torna-se livre da riqueza, mas quem serve a riqueza permanece escravo dela! Quem busca a justiça transforma a riqueza em bem comum; quem busca o domínio transforma o bem comum em presa da sua própria ganância”, disse.
A Palavra de Deus, segundo o Papa, “não opõe os homens em classes rivais, mas exorta todos a uma revolução interior, uma conversão que começa no coração”. Com efeito, a providência de Deus alcança os pobres, materialmente, bem como os que sofrem a miséria espiritual ou moral, “que aflige tanto os poderosos como os fracos, os indigentes como os ricos”.
A Igreja de Santa Ana, na fronteira do Vaticano, é ponto de passagem para trabalhadores, peregrinos e visitantes. E Leão XIV quer que a paróquia, criada no século XVI e sede da Confraria dos Palafrenieri Pontifícios, seja espaço aberto ao encontro, à oração e à caridade.

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Em suma, a riqueza é apanágio dos muitos ricos e atrai os grandes ditadores. E ambos os grupos, pela repressão ou pelo jogo sujo, espezinham os pobres, cuja pobreza aumenta cada vez mais.

2025.09.23 – Louro de Carvalho

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