segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Os primeiros canonizados por Leão XIV

 

Leão XIV proclamou, a 7 de setembro, os beatos italianos Pier Giorgio Frassati e Carlo Acutis santos da Igreja, decretando a sua veneração entre os fiéis. Estas canonizações, promulgadas diante de uma multidão de milhares de pessoas, na Praça de São Pedro, foram as primeiras do pontificado do Santo Padre Leão. E a assembleia de fiéis, entre os quais estava a família de Acutis, aplaudiu quando o Sumo Pontífice pronunciou o rito de canonização e declarou padroeiros dos jovens os mais novos santos da Igreja.

Na homilia, Leão XIV comentou uma passagem do livro bíblico da Sabedoria, que foi lida pelo irmão mais novo de Acutis, Michele, na celebração da missa.

“[Senhor], quem teria aprendido o teu conselho, se não me tivesses dado sabedoria e enviado do alto o teu Santo Espírito?”, disse Leão XIV, citando aquela passagem veterotestamentária. “Essa pergunta surge depois de os dois jovens beatos, Pier Giorgio Frassati e Carlo Acutis, terem sido proclamados santos”.

“Isso é providencial porque, no Livro da Sabedoria, a pergunta é atribuída justamente a um jovem como eles: o rei Salomão”, anotou o Pontífice. “Com a morte de David, seu pai, percebeu que tinha muitas coisas: poder, riqueza, saúde, juventude, beleza e realeza”, mas entendeu que lhe seria necessária a sabedoria.

Na sua homilia, Leão XIV falou, longamente, sobre os dois novos santos, afastando-se da prática do seu antecessor, o Papa Francisco que, normalmente, falava pouco, nessas ocasiões, sobre as pessoas que acabava de canonizar.

Assim como Salomão, disse Leão XIV, Carlo e Pier Giorgio entenderam que a amizade com Jesus e o seguimento fiel dos “projetos de Deus” são maiores do que qualquer outra busca mundana.

Deus “convida-nos a aderir sem hesitação à aventura que Ele nos propõe, com a inteligência e com a força que vêm do seu Espírito”, assegurou o Papa, vincando: “Podemos acolher na medida em que nos despojamos de nós mesmos, das coisas e das ideias a que estamos apegados, para nos colocarmos à escuta da sua palavra.”

O Pontífice também falou de outros jovens santos, ao longo da História, como São Francisco de Assis, que viram que era sábio preferir às riquezas o amor a Deus e aos outros.

“Hoje olhamos para São Pier Giorgio Frassati e para São Carlo Acutis: um jovem do início do século XX e um adolescente dos nossos dias, ambos apaixonados por Jesus e prontos a dar tudo por Ele”, referiu o Santo Padre, para enfatizar que “os santos Pier Giorgio Frassati e Carlo Acutis são um convite dirigido a todos nós – especialmente, aos jovens – a não desperdiçar a vida, mas a orientá-la para cima e a fazer dela uma obra-prima”.

E, falando sobre a “fórmula vencedora” deles para a santidade, o Sumo Pontífice elencou as circunstâncias comuns pelas quais eles dedicaram as suas vidas a Deus. “Pier Giorgio encontrou o Senhor, através da escola e dos grupos eclesiais – a Ação Católica, as Conferências Vicentinas, a Federação Universitária Católica Italiana (FUCI), a Ordem Terceira Dominicana – e testemunhou-O com a sua alegria de viver e de ser cristão, na oração, na amizade, na caridade”, apontou o Papa. “Carlo, por sua vez, encontrou Jesus na família, graças aos pais, Andrea e Antonia – presentes aqui hoje com os dois irmãos, Francesca e Michele –, depois, também na escola e, sobretudo, nos sacramentos, celebrados na comunidade paroquial”, disse também Leão XIV.

Segundo o Pontífice, os dois santos italianos cultivaram o amor a Deus e aos irmãos por meio de “atos simples”, a “missa diária, a oração e, especialmente, a adoração eucarística”, que estão disponíveis a todos os fiéis.

No fim da missa, concelebrada com cerca de dois mil bispos e padres, Leão XIV invocou a intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria pela paz, “especialmente, na Terra Santa e na Ucrânia e em todas as outras terras ensanguentadas pela guerra”. “Convido todas as autoridades a ouvirem e a deporem as armas que levam à destruição e à morte”, pediu o Sumo Pontífice, garantindo que “elas nunca trazem paz e segurança”.

“Deus não quer a guerra. Deus quer a paz. Deus sustenta aqueles que lutam pela paz e que seguem o caminho do diálogo”, disse o Papa, antes de conduzir a congregação na oração do Angelus.

Depois, encerrou o evento, dando uma volta pela Praça de São Pedro no papamóvel, acenando à multidão e parando, frequentemente, para abençoar bebés apresentados pelos guarda-costas.

Uma peregrina presente na praça, a australiana Caroline Khouri, disse à CNA, agência da EWTN, que esta celebração seria algo que ela “lembraria para sempre”. “A alegria na atmosfera aqui é incrível”, exclamou.

***

Carlo Acutis, que nasceu em 1991 e faleceu em 2006, era um adolescente italiano encantado por computadores e profundamente apaixonado pela Eucaristia. Aos 15 anos, partiu para a Casa do Pai, devido a leucemia fulminante. No entanto, a sua curta vida deixou uma marca indelével: ajudou os pobres, difundiu a devoção aos milagres eucarísticos e ofereceu os seus sofrimentos pelo Papa, pela Igreja e pela conversão dos pecadores. Agora, tornou-se o primeiro santo milenar da Igreja, um testemunho de que a santidade não depende da idade, mas de um coração plenamente unido a Cristo.

Nasceu em Londres, a 3 de maio de 1991, numa família italiana. Foi batizado poucos dias depois, a 18 de maio, na igreja de Nossa Senhora das Dores, na capital britânica. Em setembro do mesmo ano, a família voltou para Milão, na Itália, onde Carlo cresceu e concluiu os seus estudos. Desde jovem, demonstrou uma natureza alegre e generosa, sempre disposto a ajudar os outros.

Um ponto de viragem aconteceu a 16 de junho de 1998, quando recebeu a primeira comunhão com sete anos de idade, graças a uma permissão especial. A partir de então, segundo o Dicastério para as Causas dos Santos, passou a frequentar a missa, diariamente, e a passar longos momentos em adoração diante do Santíssimo Sacramento. 

Três anos depois, a 24 de maio de 2003, Carlo recebeu o sacramento da Confirmação ou do Crisma. Aos 14 anos, ingressou no Instituto Jesuíta Leão XIII, em Milão, onde se destacou tanto nos estudos como no serviço à paróquia, ensinando catecismo a crianças e criando sites para iniciativas religiosas e beneficentes.

O coração da espiritualidade de Carlo era a Eucaristia. Ele mesmo dizia: “A Eucaristia é o meu caminho para o Céu!” Para Carlo, participar na Santa Missa e receber a Comunhão eram o centro de cada dia; e, mesmo quando os compromissos escolares o impediam, fazia comunhões espirituais. O amor por Jesus na Hóstia levou-o a um projeto único: a criação de uma exposição internacional de milagres eucarísticos, reunindo cerca de 130 casos reconhecidos pela Igreja e apresentados numa exposição digital que percorreu paróquias e dioceses em todo o Mundo.

Tinha profunda devoção a Nossa Senhora, rezando o rosário diariamente e consagrando-se ao Imaculado Coração de Maria. Segundo o autor Michelangelo M. Tiribilli, “a modernidade e a vida contemporânea harmonizavam-se, perfeitamente, com a sua vida eucarística e mariana, tornando-o um jovem muito especial, admirado e amado por todos”.

“Na existência simples de Carlo, tudo o que era extraordinário se escondia no comum”, diz o Dicastério para as Causas dos Santos, sobre a espiritualidade de Carlo. “Amava desportos, amigos e videogames, mas colocava a amizade com Jesus em primeiro lugar. Essa escolha marcou toda a sua vida e tornou-a um testemunho brilhante para a sua geração”, sustenta o Dicastério.

Embora não tenha estudado engenharia da computação, os amigos e os adultos consideravam-no um génio na área. Dedicou-se naturalmente à programação, ao web design e à edição audiovisual, colocando sempre tudo isso ao serviço do próximo. Enquanto estudante universitário, administrou o site da sua paróquia e desenvolveu portais de voluntariado, além de usar a sua mesada para ajudar os pobres e os imigrantes.

Carlo “foi um verdadeiro apóstolo em todos os ambientes em que viveu: família, escola, desporto, viagens e lazer”, diz o  Dicastério para as Causas dos Santos. “Mostrou que a santidade não é um estado reservado a poucos, mas um caminho aberto a todos, mesmo na vida quotidiana”.

Em outubro de 2006, só com 15 anos de idade, a Carlo foi diagnosticada leucemia fulminante M3. Desde o início da doença, ofereceu o seu sofrimento “pelo Papa e pela Igreja”, na esperança de ir diretamente para o Céu. No hospital, impressionou médicos e enfermeiros com a sua serenidade e com a sua fé. Morreu em 12 de outubro de 2006, em Monza, na Itália. Os seus restos mortais foram trasladados para Assis, a cidade que tanto amava, onde agora repousam no santuário da Spogliazione (do Despojamento). O seu testemunho resume-se numa frase: “Estar sempre unido a Jesus, esse é o meu projeto de vida.”

A reputação de santidade de Carlo espalhou-se rapidamente. Em 2013, a sua causa foi aberta em Milão. Foi declarado venerável, em 2018, e beato, em 2020, devido ao reconhecimento do milagre da cura inexplicável de uma criança no Brasil. O segundo milagre que abriu caminho à sua canonização foi a recuperação extraordinária de uma jovem costarriquenha que sofreu um grave traumatismo craniano num acidente, em 2022. A recuperação foi oficialmente reconhecida pela Igreja, em 2024.

“A vida de Carlo demonstra que a santidade não depende da duração dos dias, mas da intensidade do amor”, enfatizou o Dicastério para as Causas dos Santos, ao apresentar o decreto final, considerando: “O seu testemunho é um dom para os jovens e para toda a Igreja.”

Com a sua canonização, a Igreja apresenta Carlo Acutis como um modelo de santidade juvenil e patrono do mundo digital, um jovem que ensinou que a fé pode ser vivida, radicalmente, na vida quotidiana, que a “nossa meta deve ser o infinito, não o finito”, que “o Infinito é nossa pátria” e que “o Céu sempre nos esperou”.  

***

São Pier Giorgio Frassati, nascido a 6 de abril de 1901, numa família italiana rica e proeminente, tornou-se um modelo, logo depois da sua morte, a 4 de julho de 1925, aos 24 anos de idade. Foi canonizado ao lado do primeiro santo milenar da Igreja, São Carlo Acutis, também ele um filho de duas famílias das mais ricas da Itália.

Segundo o site dedicado a Frassati pela Conferência de Bispos Católicos dos EUA (USCCB), Pier Frassati é, há anos, “um importante patrono global da juventude e dos jovens adultos – e ocupa um lugar especial no coração dos jovens nos EUA [Estados Unidos da América]”. E “São João Paulo II declarou-o patrono das Jornadas Mundiais da Juventude e considerou-o o homem das bem-aventuranças, por exemplificar essas bênçãos na sua vida quotidiana”, diz também o site.

Sintetizam-se em doze os factos surpreendentes sobre a sua vida curta, mas muito intensa:

1. A sua infância foi repleta de atos de caridade Apesar de ter sido criado por pais agnósticos, a inclinação de Frassati para ajudar os outros manifestou-se na infância. Certa vez, ainda criança, atendeu à porta e encontrou uma mãe a pedir esmolas com o seu filho descalço. Tirou os próprios sapatos e deu-os à criança.

2. A sua devoção à Eucaristia começou cedo. Ainda jovem, ingressou na Congregação Mariana e no Apostolado da Oração e obteve permissão para receber a Comunhão diária, o que era raro naquela época.

3. Tinha um lado muito brincalhão. Era conhecido, entre os amigos, como “Il Terrore” (O Terror), devido ao seu gosto por brincadeiras.

4. Serviu na Sociedade de São Vicente de Paulo. Aos 17 anos de idade, juntou-se à Sociedade de São Vicente de Paulo e dedicou grande parte do seu tempo livre ao cuidado dos pobres, dos sem-teto, dos doentes e dos militares desmobilizados que voltavam da I Guerra Mundial.

5. Manifestou-se contra Benito Mussolini e contra o fascismo. Em 1919, filiou-se na Fundação dos Estudantes Católicos e no Partido Popular, cujos princípios se baseavam na Doutrina Social da Igreja (DSI). Opôs-se, veementemente, à ascensão do líder fascista e foi preso, em Roma, ao juntar-se ao protesto da Associação dos Trabalhadores Católicos.

6. Era conhecido pela sua generosidade radical e pelo seu amor aos pobres. São Pier Giorgio ficou conhecido por doar, literalmente, tudo o que tinha aos pobres. Até usava a passagem de autocarro para a caridade e, depois, corria para casa, a fim de chegar à hora das refeições.

7. Amava as montanhas. Alpinista talentoso, via muitos paralelos entre a vida católica e o seu passatempo favorito. Organizava, regularmente, excursões às montanhas, com momentos de orações e de conversas sobre fé em Deus na subida ou na descida do cume.

8. Uma simples nota que escreveu tornou-se um lema famoso. Depois do que se tornaria a sua escalada final, escreveu uma nota simples numa fotografia: “Verso L'Alto” ​​(Rumo ao alto) — frase que se tornou um lema católico popular.

9. Morreu de poliomielite. Aos 24 anos de idade, Frassati adoeceu, gravemente, com poliomielite. Alguns dos amigos acreditavam que havia contraído a doença de pessoas dos bairros de lata de Turim. Nos seus últimos dias, sussurrava, para a família e para os amigos que se reuniam ao seu lado, os nomes das pessoas que ainda precisavam de ajuda. E morreu a 4 de julho de 1925.

10. Foi beatificado pelo Papa São João Paulo II. Foi declarado bem-aventurado, em 1990, por São João Paulo II, que o chamou de “homem das bem-aventuranças” e “alegre apóstolo de Cristo”. Um ano antes, ao visitar o túmulo de Frassati, o Papa polaco disse que também havia sentido, na sua juventude, “a influência benéfica do seu exemplo”. “Deixou o mundo bastante jovem, mas deixou uma marca em todo o nosso século”, disse então o Papa.

11. A sua irmã escreveu em homenagem à sua pessoa. Na biografia do seu irmão, a irmã de Frassati, Luciana, escreveu que “ele representava o que havia de melhor na juventude cristã: puro, feliz, entusiasmado com tudo o que é bom e belo”.

12. Ele é um dos padroeiros da juventude e dos estudantes de todo o Mundo. São Pier Giorgio Frassati é muito popular entre os jovens, especialmente, nos EUA. Muitos apostolados foram criados com o seu nome, e é o padroeiro dos estudantes, dos jovens católicos, dos montanhistas, dos grupos de jovens, da Ação Católica, dos terciários dominicanos, que ele também era, e da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

***

Em suma, dois santos de carne e osso, que viveram durante pouco tempo, mas de forma muito intensa e exemplar.

2025.09.08 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário