quarta-feira, 23 de julho de 2025

Novo estudo para a reforma do sistema político

 

A 21 de julho, vários órgãos de comunicação social (CS) deram vez e voz a um comunicado da Associação Comercial do Porto (ACP-CCIP), segundo o qual o ex-primeiro-ministro e ex-presidente do Partido Social Democrata (PSD) Passos Coelho, o ex-deputado socialista Sérgio Sousa Pinto e o presidente da ACP-CCIP, Nuno Botelho, coordenam um estudo sobre a reforma do sistema político, que envolve a Católica Porto Business School e a Faculdade de Economia da Universidade do Porto e que será apresentado no último trimestre de 2026.
Segundo a ACP-CCIP, este é um de dois estudos de interesse estratégico nacional, para avaliar a necessidade de reforma do sistema político e dos cargos de titulares de órgãos de soberania, pretendendo a associação contribuir para alargada reflexão sobre o funcionamento da democracia representativa, através da discussão de temas centrais, como a qualidade da representação, os mecanismos de responsabilização política e a capacidade das instituições para responderem às exigências sociais e económicas contemporâneas. Já o segundo estudo analisará, de forma abrangente, as reformas estruturais consideradas determinantes para a superação de bloqueios persistentes à modernização do país, na vertente económica e na administração do Estado. “A constituição desta equipa espelha a ambição de garantir pluralidade de perspetivas, profundidade analítica e legitimidade no debate democrático”, vinca o referido comunicado.
Nuno Botelho sustenta que estes estudos “são de elevada relevância para o presente e futuro” da nossa democracia, ao procurar, de modo rigoroso e independente, “identificar os principais bloqueios e potenciais caminhos para a reforma do nosso sistema político e mecanismos de modernização do Estado”. Por outro lado, na ótica da ACP-CCIP, a elaboração destes estudos está integrada nas prioridades delineadas para o novo mandato da direção, afirmando o compromisso da instituição com a produção de conhecimento rigoroso e com a qualificação do debate público em áreas estruturantes para o desenvolvimento do país.

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A modo telegráfico, devo dizer que, concorde-se ou não com o atual governo, é preciso dar tempo a que dê resultados (suficientes ou não) a reforma do Estado em curso, a cargo do respetivo grupo de trabalho, nos termos do Despacho n.º 8479/2025, de 23 de julho, que altera o Despacho n.º 9075-A/2024, que estabelece o grupo de trabalho com a missão de preparar e executar a reforma orgânica e funcional da Administração Pública (AP), o qual vem na sequência do Despacho n.º 13583/2024, de 18 de novembro, que cria o grupo de trabalho da gestão de mudança e comunicação para a Reforma da Administração Pública – o qual surge na sequência do Despacho n.º 14408/2022, de 16 de dezembro, que cria um grupo de trabalho com a missão de executar a reforma funcional e orgânica da AP, prevista no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Isto é, a reforma do Estado, com esta designação ou com a de reforma administrativa ou de modernização, já vem de longe. O primeiro titular da pasta ministerial da Reforma Administrativa foi Rui Pena, no II Governo Constitucional.  

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É de recordar que, para a reforma do sistema político, a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) publicou o estudo “Reforma do Sistema Político / Definição Administrativa do Território”, do grupo de trabalho Finanças Públicas, coordenado Henrique Monteiro (jornalista e membro do Conselho Coordenador da SEDES) e por Miguel Poiares Maduro (ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional e especialista em Direito Constitucional e em Direito da União Europeia), e cujo relator foi Luis Archer, advogado.  
Em 21 páginas, o grupo identificou sete dimensões de ação reformista, devendo cada uma constituir-se em painel de discussão no Congresso da SEDES: recentrar o Parlamento, credibilizar AP, escrutinar poder executivo e reequacionar a relação entre os poderes executivo, legislativo e judicial; ativar a cidadania política, pela reforma do sistema eleitoral; modernizar e abrir os partidos políticos, pela reforma da Lei dos Partidos Políticos, da Lei do Financiamento Partidário e do Estatuto dos Deputados; desconcentrar o poder nacional, pela descentralização política e administrativa; democratizar o poder local, pela reforma das autarquias locais; proteger a pluralidade, pela reforma do quadro regulatório da comunicação social; e sustentar a transição intergeracional, reformando os mecanismos de transição geracional.
No âmbito da reequação da relação entre os poderes, foi apontada a necessidade de aprofundar a separação e a independência dos poderes, designadamente, “uma separação clara entre as magistraturas e o exercício de cargos na administração pública, incluindo os de nomeação”, de modo a não haver porta giratória entre um setor do poder e o outro. O magistrado, para concorrer a um cargo da administração pública, deve renunciar à magistratura. E, a evitar a permeabilidade entre os órgãos de soberania e as entidades reguladoras, propôs-se um período de dois anos, antes da possível a nomeação de ex-governantes para qualquer função em entidade reguladora, bem como a proibição de, nos 24 meses subsequentes ao exercício de tais funções, voltar a desempenhar cargos no governo ou como deputado à Assembleia da República (AR).  
Foi relevado o papel central da AR, que deve ter maior peso decisório e operante, tornando-se o “centro da decisão e do escrutínio democrático”. Assim, devem ser revisitados os artigos 164.º e 165.º da Constituição, para reequilibrar as reservas absolutas e relativas de competência legislativa, visando a diminuição das possibilidades de autorização legislativa concedidas ao governo e procurando criar condições para assegurar o primado efetivo da AR. Além disso, é pertinente discutir a continuidade do atual desenho constitucional de concorrência legislativa entre a AR e o governo – algo sui generis, no quadro europeu e dos países democráticos, em geral –, tal como é de exigir que os membros do governo sejam escolhidos de entre deputados eleitos, assegurando que os cidadãos votam nos seus governantes, o que implica uma reforma mais ampla dos mecanismos de recrutamento e de seleção da classe política (incluindo os deputados).
A AR deve ser chamada, não só a discutir, mas também a aprovar o programa de governo, cujo incumprimento pode constituir motivo para apresentação de moção de censura. E, não obtendo um partido maioria absoluta em eleições legislativas, o partido que forme governo apresentará o programa de governo de coligação para quatro anos, ao invés de negociações pontuais e anuais com os demais partidos. Por outro lado, é necessário submeter à AR, através de audições parlamentares e, nalguns casos, de aprovação por maioria simples, as nomeações políticas mais relevantes, como a dos principais dirigentes de entidades dotadas de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, ou de entidades reguladoras, neste caso, na sequência de proposta do Presidente da República (PR). Consequentemente, os nomeados prestarão contas, anualmente, à AR e os orçamentos das respetivas entidades a ser aprovados autonomamente, devendo ser feita a prestação anual de contas. E deve valorizar-se as petições legislativas, oriundas de assembleias de organizações, de modo a poderem converter-se em propostas de lei.
É necessário estender a legislação que proíbe nomeações familiares diretas a familiares indiretos, ao poder local e a todas as entidades públicas, bem como reduzir as instâncias de nomeação feitas por um só detentor de funções públicas.
Propôs-se o reforço de meios de órgãos de fiscalização e de supervisão como a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e as inspeções-gerais. A CReSAP deve assumir papel central na transição entre o atual sistema de nomeações políticas (em substituição), ao longo de um período mais longo do que uma legislatura, conduzindo o processo de nomeação, através de concursos públicos abertos de todos os cargos dirigentes de 1.º Grau na AP, com avaliação prévia à idoneidade da pessoa a indigitar. Neste sentido, a constituição de júris da CReSAP deve obedecer a critérios mais rígidos que garantam maior independência das suas decisões.
Promovendo o papel presidencial, defendeu-se maior intervenção do PR na regulação e na justiça, cabendo este indicar à AR proposta para presidentes das autoridades reguladoras, bem como nomear o procurador-geral da República (PGR) e o governador do Banco de Portugal (BdP), com vista ao reforço da independência dessas entidades e instituições, face ao executivo.
Quanto ao combate à corrupção, defendeu-se a implementação incondicional das recomendações do Group of States Against Corruption (GRECO). E, para reforçar a cultura de transparência na ação governativa, devem tomar-se medidas simples, mas importantes, como a publicação das atas do conselho de ministros e das agendas de reuniões de todos os membros do governo na respetiva página da Internet, identificando os temas e os participantes. É imperiosa a redução do pessoal político nos gabinetes ministeriais, que devem reforçar a sua articulação real e efetiva com institutos, agências, direções-gerais e secretarias-gerais, a cargo do respetivo ministério, robustecendo as suas capacidades técnicas. É de promover a regulamentação do lobbying, a partir de amplo debate desencadeado pela AR. Com vista à formação dos altos quadros da AP, é importante reativar, com mais meios e em rede com Universidades, o Instituto Nacional de Administração (INA); e, para os reter, há que dotar os cargos de direção de melhores salários.
No âmbito da reforma do sistema eleitoral, há que prover à adoção de círculos uninominais locais e de um círculo de dimensão nacional, bem como à criação de uma câmara alta parlamentar. Além disso, é de eliminar o dia de reflexão e de alargar do período de votação para dois dias (domingo e sábado) ou outros dias da semana, para garantir, em absoluto, a integridade do ato eleitoral ou o voto eletrónico, bem como estender o direito de voto aos maiores de 16 anos.
Sobre partidos políticos, propõe-se a sua reforma, mormente, no investimento em estruturas de formação e de produção de saber, que deverão atrair 25% do financiamento dos partidos, o que levará à revisão da Lei do Financiamento Partidário. É necessário analisar o impacto da realização de eleições primárias abertas, na escolha dos líderes dos partidos. E é imperativo cada partido implementar a sua comissão de ética e melhorar o seu sistema jurisdicional interno.
Quanto ao estatuto dos deputados, sobretudo, no atinente à exclusividade no exercício de funções, nos casos em que a profissão de origem seja regulada por ordem profissional, “por forma a mitigar conflitos de interesses e evitar promiscuidade com funções exercidas” fora da AR, urge o aumento substancial da remuneração, com o intuito de tornar a função mais atrativa para mais cidadãos e de dissuadir os seus titulares de atitudes e comportamentos prejudiciais ao exercício da política. Além disso, é de restabelecer o subsídio de reintegração, quando o deputado cessa funções.
No respeitante à desconcentração e à descentralização, considerou-se exigível um processo de descentralização significativa para estruturas regionais e locais de governação, com mais clara e objetiva arquitetura de governação subnacional, a nível da assunção das despesas públicas e da promoção do emprego público, e devendo ser implementadas medidas de descentralização administrativa, política e fiscal, a par da aposta clara na desconcentração de serviços.
Reconheceu-se a importância de incentivar a partilha de serviços entre municípios, aprofundando as práticas de cooperação intermunicipal e promovendo as necessárias economias de escala, por via da iniciativa local. Todas as novas agências / estruturas / serviços da Administração central sejam instalados fora da Área Metropolitana de Lisboa. E é essencial maior alinhamento entre divisões administrativas – região autónoma, comissão de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR), nomenclatura de unidades territoriais para fins estatísticos (NUTS), área metropolitana (AM), comunidade intermunicipal (CIM, etc. – e círculos eleitorais para a AR.
Quanto ao poder local, entende-se que o presidente da câmara municipal (PCM) tem demasiado poder, não havendo forma de o moderar ou de o destituir, a não ser por via judicial. Por isso, defendia-se a possibilidade de destituição política do PCM por maioria qualificada dos membros da assembleia municipal (AM) (nunca inferior a 50%, para evitar casos de arbitrariedade ou de oportunismo político) através de moção de censura parte dos membros eleitos diretamente. Além disso, é desejável um modelo de organização política autárquica em que o executivo resulte da maioria eleita na AM, abolindo-se as listas para a CM.
No quadro da proteção da pluralidade e no âmbito da proteção contra a desinformação, considerou-se desejável que as universidades, no âmbito dos cursos e centros de investigação, na área da CS, desenvolvam, com financiamento especial, observatórios académicos da qualidade da informação prestada pelos órgãos de CS. E o Estado “deve possuir meios de CS públicos, que prestem um serviço público e complementem os privados, independentes do poder executivo, e sem objetivos concorrenciais, face aos meios privados”, o que requer “o fim da publicidade nos meios públicos de CS”.
Propôs-se a dedução, em sede do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) dos gastos com informação (assinatura de jornais, de revistas, de streaming, etc.); a doação de parte do valor do IRS para a CS, incluindo a imprensa local; a incorporação na política externa e europeia da defesa da fixação dos impostos dos GAFA (Google, Amazon, Facebook e Apple), além de outros que surjam”. Pediu-se eliminação do financiamento público direto (incluindo de autarquias locais e de empresas públicas) da CS, com exceção do financiamento do serviço público de rádio e televisão. E sugeriu-se que se impeça quem escolheu nova carreira de assessoria de comunicação no governo ou na CM, de regressar, de imediato, ao jornalismo.
Finalmente, quanto à transição intergeracional, julgou-se necessário facilitar a constituição de organizações juvenis com independência e autonomia, conferindo-lhes, mediante a aplicação de rigorosos critérios objetivos, apoio financeiro e logístico. Também se considerou que a Educação para a Cidadania deve reforçar as componentes políticas, abordando temas como os sistemas políticos e de governo, a importância da participação cívica e da responsabilidade política, perante os concidadãos, a gestão transparente de recursos públicos, o estado de direito democrático, e ser orientada para que os jovens desenvolvam um pensamento crítico, face a temas da atualidade. Além disso, julgou-se relevante a implementação efetiva do conselho municipal de juventude em todos os municípios, como órgão consultivo do executivo municipal e com capacidade para realizar ações de formação e de sensibilização política e social, nos estabelecimentos de ensino do concelho, sempre em estreita colaboração com eleitos locais.

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Pelos vistos, não falta estudo para a reforma do sistema político, o que falta é levá-la a cabo. Não obstante, a direção da ACP-CCIP precisa de mostrar trabalho, que pode ser útil, embora, do meu ponto de vista, não tenha escolhido bem os coordenadores (alinhados com a onda de direita radical), exceto o seu presidente. E não sei se o novo grupo de trabalho optará pela valorização da AR e do reforço dos poderes do PR, que mantém, indevidamente, um poder discricionário de dissolução da AR e pode condicionar a agenda política da AR e do governo.     

2025.07.23 – Louro de Carvalho

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