segunda-feira, 23 de junho de 2025

TAP terá violado a lei em 29 contratos no valor de 473 milhões de euros

 
O Tribunal de Contas (TdC) considera que a administração, a comissão executiva da TAP e demais intervenientes nos processos violaram a lei, no atinente a 29 contratos firmados entre março de 2023 e março de 2024, no valor global de 472,9 milhões de euros. Os gestores, que incorrem numa coima até 18360 euros, já tinham sido sancionados em outubro de 2024.
Em relatório divulgado a 23 de junho, a entidade que julga as contas públicas diz, em suma, que a companhia aérea e os seus gestores (à época) faltaram aos deveres de envio de informação e de pedido de autorização prévia ao TdC, tendo em conta que, na sua maioria, o valor do contrato ascendia a mais de 950 mil euros. Na verdade, como cada contrato tinha, na sua maioria, montante superior a 950 mil euros, não podia ter qualquer execução material, antes da pronúncia do TdC em sede de fiscalização prévia, já que a TAP, em 2020, voltou a ser uma empresa pública.
O TdC explicita que a TAP lhes enviou ao pedidos de fiscalização prévia para estes contratos, mas que, “à data da sua remessa para fiscalização prévia, todos os atos/contratos se encontravam a produzir efeitos materiais e, na sua maioria, também efeitos financeiros (pagamentos)”.
Segundo o TdC, “este comportamento foi justificado pela TAP e pelos indiciados responsáveis, com a argumentação de, por um lado, que era sua convicção que os instrumentos contratuais remetidos não estavam sujeitos à fiscalização prévia do TdC e, por outro lado, consideravam que estavam perante uma urgência imperiosa que permitia a execução dos mesmos, incluindo financeira, atentas as consequências financeiras e reputacionais da sua não execução”.
Há, na argumentação da TAP, algo absurdo. Se os contratos não estavam sujeitos à fiscalização prévia do TdC, é de questionar o motivo por que lhe foram remetidos. Por outro lado, a urgência imperiosa não se presume: apresenta-se, explica-se e justifica-se. 
A maioria destes contratos diz respeito à aquisição de jet-fuel (combustível de aviação) para a frota da TAP, a serviços de catering e a aluguer de aeronaves. O TdC – que salienta que os gestores podem vir a ser responsabilizados financeiramente, a título pessoal, pelas infrações – enviou o relatório para o Ministério Público (MP), que terá de decidir se os gestores vão responder ou não pelas irregularidades.
As ilegalidades identificadas, como refere o TdC, são “suscetíveis de determinar responsabilidade financeira sancionatória, nos termos da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC), aprovada pela Lei n.º 98/87, de 26 de agosto, na atual redação. Os responsáveis pela prática das infrações são os ex-presidentes do Conselho de Administração, Manuel Beja, e da Comissão Executiva (CEO), Christine Ourmieres-Widener, e o atual presidente do Conselho de Administração e da Comissão Executiva (em acumulação), Luís Rodrigues, bem como os outros membros desses órgãos sociais. Com efeito, nos anos a que se reportam tais contratos, a TAP teve como CEO a francesa Christine Ourmieres-Widener e Luís Rodrigues, em funções.
O TdC considera que as infrações identificadas “são suscetíveis de determinar responsabilidade financeira sancionatória”. A multa, a fixar pelo Tribunal, tem como limite mínimo 2550 euros e máximo de 18360 euros. E cabe ao MP, a quem foi enviado o relatório aferir acionar o processo de apuramento da responsabilidade dos gestores pela irregularidade verificada.
É a segunda vez, em menos de um ano, que os atuais e ex-administradores da TAP são sancionados pelo TdC. Em outubro, considerou que a administração da Portugália não cumpriu a obrigatoriedade de visto prévio relativa a um contrato para aluguer de aviões firmado em 2023.
A maioria dos contratos em causa diz respeito à aquisição de jet fuel para as aeronaves. Abrangem ainda a contratação de serviços de catering, de serviços de manutenção das instalações da TAP junto ao aeroporto Humberto Delgado, de serviços de assistência em escala, nos aeroportos de Frankfurt e de Roma-Fiumicino, de seguros de acidentes de trabalho e a modificação de contratos de locação de aeronaves, incluindo a modalidade ACMI (avião, tripulação, manutenção e seguro).
No contraditório, a TAP alegou que os contratos em causa não se incluem no âmbito da incidência objetiva da fiscalização prévia do TdC. Um dos argumentos avocados é de que, apesar de ser empresa pública, tem caráter comercial e atua em mercado concorrencial.
A TAP considerou ainda que estava perante uma situação de “urgência imperiosa”, prevista na legislação, que justifica com o “grave risco de rutura do serviço de transporte aéreo de passageiros”, caso não fossem assegurados os contratos de jet fuel ou de locação de aeronaves. “O setor da aviação comercial é, em si mesmo, extremamente dinâmico e nem todas as necessidades operacionais da TAP são antecipáveis, preveníveis ou calendarizáveis, invocando-se também a pandemia covid-19 e o seu impacto no setor da aviação”, afirmou a companhia, sustentando que “não poderia ter qualquer intervenção nos acontecimentos supramencionados e sempre agiu de forma precavida e o mais diligente possível, apenas executando os contratos, quando teve a certeza de que não existiam alternativas viáveis”. Defendeu, por isso, que deve ser excluída a sua ilicitude e culpa.
Um dos casos destacados é o contrato de fornecimento de combustível para 67 aeroportos, iniciado em abril de 2023 e avaliado em 554,7 milhões de euros, que visava evitar o cancelamento de voos e cumprir o plano de reestruturação aprovado por Bruxelas.
Tais argumentos não alteraram a decisão do TdC, que, na sua decisão, recomenda à TAP o cumprimento de todos os normativos legais relativos à sujeição a fiscalização prévia dos atos/contratos sujeitos a este tipo de fiscalização […], em particular, no que respeita à não produção de efeitos materiais ou financeiros sem, ou antes [de], aquela pronúncia”.
E, após a análise de todas as informações, os juízes do TdC aprovaram o relatório que conclui pela ilegalidade na execução de contratos, antes da respetiva fiscalização, recomendaram à TAP o cumprimento rigoroso dos normativos legais e fixaram os emolumentos devidos pela empresa em 9049,73 euros.
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O arranque de 2025 foi o pior do 1.º trimestre dos últimos quatro anos em resultados operacionais. Uma greve, a deslocação da Páscoa para o 2.º trimestre e o aumento da concorrência no Brasil empurraram a TAP para o prejuízo de 108 milhões de euros, uma quebra de 18,1 milhões, face ao período homólogo de 2024. As receitas caíram 4,5% e os custos aumentaram 2,2%, penalizados pela subida de 19 milhões de euros para 232 milhões de euros, nos gastos com trabalhadores. Ao invés, os Estados Unidos da América (EUA) foram a melhor notícia dos resultados da TAP, no 1.º trimestre, já que aquele mercado manteve desempenho positivo, apesar da incerteza sobre a nova administração de Donald Trump. Portugal tem sido um dos destinos favoritos dos norte-americanos nos recentes anos e a TAP beneficia com isso. Porém, o arranque do ano traduziu-se no pior resultado operacional de 1.º trimestre, nos últimos quatro anos.
Os efeitos da greve da Portugália (PGA) e a Páscoa tiveram impacto negativo nas contas, entre 30 a 40 milhões. Foram transportados 3,51 milhões de passageiros, quase o mesmo número do 1.º trimestre de 2024. E Luís Rodrigues, presidente da TAP, diz que a transportadora se mantém limitada, no crescimento, por via do plano de reestruturação, que termina este ano. Contudo, está otimista, pois, na sua ótica, embora os desafios se mantenham, sobretudo, a pressão concorrencial, as disrupções operacionais e a incerteza macroeconómica, os progressos dos últimos anos “sustentam uma TAP mais resiliente e preparada para o futuro”. 
As perdas trimestrais acontecem num ano em que avançará a privatização da TAP, que o ministro das Infraestruturas afirmou ser uma das prioridades do governo. E Luís Rodrigues, frisando que é uma decisão política, indicou à imprensa norte-americana, no lançamento da rota Lisboa – Los Angeles, que o processo será retomado em setembro.
O grupo IAG foi, entre os concorrentes à privatização da TAP, que melhores lucros operacionais teve no montante de 137 milhões de euros. Apesar da recuperação, a Lufthansa e o grupo Air France/KLM continuam a registar prejuízos operacionais significativos, de 722 milhões de euros e de 328 milhões de euros, respetivamente. E a IAG foi, dos candidatos à compra da TAP, a única a apresentar lucro no 1.º trimestre: 176 milhões de euros.
Entre os eventos extraordinários do 1.º trimestre, a TAP diz que o seu desempenho sofreu o impacto da greve dos pilotos da PGA, que se prolongou por 20 dias. Aqueles pilotos dizem-se penalizados por um acordo da companhia com o sindicato dos pilotos da TAP, o SPAC, que lhes limita o crescimento e põe em causa a sobrevivência. A greve teve outros impactos: parte do aumento de 9,6 milhões de euros na imparidade de contas a receber, nos inventários e nas provisões advém do “reforço de provisões para compensações a clientes”.
Diz a companhia que “a comparabilidade dos resultados operacionais foi ainda afetada pela deslocação da Páscoa para o 2.º trimestre em 2025”, ao invés do que sucedeu em 2024.
No 1.º trimestre, a TAP registou um EBITDA (meios operacionais libertos) recorrente de 2,9 milhões de euros, face a 57 milhões de euros em 2024, e um EBIT recorrente negativo em 119,2 milhões de euros, em comparação com 58,9 milhões de euros negativos no período homólogo. Foi, aliás, o pior resultado operacional recorrente dos últimos quatro anos, sendo preciso recuar a 2021, para encontrar um pior 1.º trimestre, com o resultado negativo de 222 milhões de euros. Porém, mantêm-se m rota de crescimento os custos operacionais recorrentes, que aumentaram 20,3 milhões de euros (mais 2,2%), totalizando 942,6 milhões de euros – variação devida, sobretudo, ao aumento dos custos com pessoal, que subiram 19 milhões de euros (8,9%), mercê dos aumentos salariais e de remunerações, acordados nos acordos coletivos de trabalho, e a custos operacionais de tráfego, com o impacto de aumentos contratuais de preço.
As receitas de manutenção, área que se tem destacado, desde 2023, caíram 0,8%, para 44,3 milhões de euros, o que se justifica pelo recuo com “uma ligeira redução da atividade, devido a constrangimentos na cadeia de fornecimento que afetaram os prazos de execução dos trabalhos”. Já as receitas de carga e de correio aumentaram 2,2 milhões de euros (mais 6%) em termos homólogos, atingindo os 38,9 milhões de euros. E, com uma posição de liquidez elevada, de 1203 milhões de euros, a TAP beneficiou da entrada, em janeiro, da última tranche de capital que faltava das ajudas de Estado (343 milhões de euros).
Apesar do mau desempenho do primeiro trimestre, Luís Rodrigues mantém-se otimista, já que as reservas estão, em linha com 2024, mostrando assinalável recuperação, desde o início do ano, devendo compensar a pressão sobre as receitas unitárias, face ao aumento estimado da capacidade. Assim, a TAP assegura que “continuará a sua estratégia de modernização da frota”, pois está prevista a entrega de um A320 NEO e dois A321 NEO.
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O XXV governo constitucional definiu, no seu programa, como uma das suas medidas principais a “concretização da primeira fase da privatização da TAP”, indicando que pretende, nesta legislatura, “lançar e concluir a primeira fase do processo de reprivatização do capital social da TAP, assegurando a manutenção da sede e [do] centro operacional da TAP, em Lisboa, de rotas chave/conectividade direta”. Será apenas uma reprivatização parcial da companhia aérea, ou seja, apenas serão vendidos, para já, até 49% da empresa, devido à oposição do partido do Chega e do Partido Socialista (PS) a um cenário de controlo da TAP por privados. O Chega opõe-se à venda total da companhia, mas está aberto a entendimento que permita a venda duma posição minoritária, para tornar a empresa mais competitiva. Menos clara é, hoje, a posição do PS, cujo anterior líder, Pedro Nuno Santos, estava aberto a venda parcial e desde que o Estado mantivesse papel ativo na gestão.
O processo já atraiu o interesse de grupos como a Lufthansa, a Air France / KLM e a IAG.
E, a 20 de junho, o ministro das Finanças disse estar para breve a apresentação dos termos de privatização do capital social da TAP. Será “nas próximas semanas”, estando a “análise” a decorrer. Porém, afasta, para já, a venda de 100% do capital, em linha com o Programa do Governo, que prevê o lançamento e a conclusão da primeira fase do processo de reprivatização. “Ainda estamos a analisar, não será uma privatização da maioria do capital”, admite, o que equivale a não passar para os privados o controlo da empresa.
O Diário de Notícias noticiava, sem citar fontes oficiais, que a alienação seria de até 49%, tendo em conta a oposição do PS e do Chega, que querem garantir que o Estado continua a controlar a TAP. E Miranda Sarmento avançava que é essa a vontade do governo, para admitir, a seguir, que estão várias hipóteses em estudo, que há potenciais compradores e não só para uma venda minoritária, mas também da maioria do capital, recusando-se a falar em percentagens.
O governante mantém prudência, num dossiê sensível, que tem conhecido avanços e recuos, nos últimos anos, sendo motivo de discórdia entre o PS e Partido Social Democrata (PSD) e agora com o Chega. “Tudo o que se possa dizer, publicamente, sobre a venda da TAP, antes de as condições de venda serem oficiais, só prejudica o negócio e os interesses dos contribuintes”, justificou, prometendo: “Vamos analisar a melhor forma de maximizar o interesse do país, que é manter o hub, a empresa continuar a expandir, porque ela é crítica ao turismo em Portugal, e […] procurar o encaixe financeiro maior possível.”
Certo é que “dificilmente será, para já, uma venda total”, garantiu.
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Há quem pense que é o problema do TdC é problema da lei, pois uma empresa, pública ou privada, não pode estar sujeita a tais formalismos. No limite, poderíamos imaginar como legítimo manter os aviões em terra, por falta de combustível, ou pior do que isso. A TAP é uma mais-valia (não pelas razões, muitas vezes, apontadas: bandeira, bairrismo, etc.) pelo impacto do Hub de Lisboa na economia nacional, nomeadamente, no turismo e nas atividades conexas. Ainda que não lucrativa para o acionista, sê-lo-á para a economia e para o Estado, pelos impostos que induz. Assim, não pode depender de autorizações, caso a caso, e de visto prévio, muito menos. Por outro lado, o visto prévio demora o tempo que demorar, à boa maneira da justiça em Portugal, e o TdC tem prazos orientadores”, que só cumpre de vez em quando. E, enquanto não chega o visto, para tudo. Talvez devesse começar por aqui a famosa reforma do Estado.
Além disso, carpimos – e bem – 473 milhões de euros, mas esquecemos contas astronómicas que se pagaram a inúmeros gestores (“donos”?), antes de 2020. Uns são mais iguais do que outros? 

2025.06.23 – Louro de Carvalho


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