Três
meses depois de o país haver estado, durante mais de uma dezena de horas, a 28
de abril, sem eletricidade e sem o normal funcionamento dos meios de comunicação
social e das redes sociais, bem como dos meios de locomoção aérea e ferroviária
– tal como esteve à beira da falha dos sistemas de distribuição de combustíveis
e de água – o governo apresentou, na manhã de 28 de julho, um plano de ação, com
vista e evitar que haja, de novo, um episódio como este.
O apagão de abril foi o mais grave incidente de sempre, nas redes de eletricidade da Península Ibérica e um dos mais graves, na Europa, neste século. Resultou de oscilações de tensão na rede elétrica espanhola, que levaram à desativação, em massa, de múltiplos produtores de eletricidade, criando insustentável desequilíbrio no sistema elétrico espanhol, que, tendo colapsado, pelas 11h33, levou a rede portuguesa a cair, dada a interligação dos dois países.
A lista do Plano de Reforço da Segurança do Sistema Elétrico Nacional conta com 31 pontos ou medidas – o ADN das medidas deste governo é, habitualmente, a trintena (embora, às vezes, falte ou se acrescente uma ou outra) – e o investimento total ultrapassará os 400 milhões de euros.
Quer, pois, o governo aumentar a capacidade de armazenamento de eletricidade, compreendendo o armazenamento químico, através de baterias, e o armazenamento hídrico, através da capacidade das barragens. Para isso, preparou um pacote de 31 medidas, com um investimento previsto de mais de 400 milhões de euros, entre setor o público e o privado (os números foram, inicialmente, avançados pelo Expresso e, depois, confirmados pelo Diário de Notícias), com vista a prevenir um novo apagão como o que, a 28 de abril, atingiu Portugal e a Espanha, deixando milhões de pessoas às escuras e sem comunicações.
As medidas foram apresentadas a meio da manhã do dia 28, pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, acompanhada pelo secretário de Estado da Energia, Jean Barroca, em conferência de imprensa, no Ministério da Energia, em Lisboa.
No final de junho, a titular pasta ministerial da Energia já tinha avançado que iria apresentar um pacote de medidas para evitar um episódio como o de abril, mesmo sem ser ainda conhecido o relatório final com as causas do ocorrido, mas depois de ter ido a Bruxelas forçar a interconexão energética com a França, tal como o Diário de Notícias deu conta, no final de maio.
A governante salientou, em junho, que o executivo que integra queria ver aumentada a capacidade de armazenamento de eletricidade, estando a trabalhar, por isso, num “plano nacional de armazenamento”, que tanto pode compreender o armazenamento químico, através de baterias, como o hídrico, através da capacidade das barragens. Outra das medidas apresentadas consiste na alteração aos sistemas de controlo da rede elétrica, com uma maior informatização e utilização dos dados, passando a haver “um sistema único de recolha de dados”.
Já no início da semana anterior, foram conhecidas as conclusões da reunião de 15 de julho do grupo de peritos da Rede Europeia de Operadores de Transporte de Eletricidade (ENTSO-E), que investiga o colapso da rede ocorrido. Tais conclusões apontam, como causa mais provável do apagão, o aumento de tensão em cascata observado no Sul da Espanha, na fase final do incidente – seguido de desligamentos súbitos de produção, sobretudo, em instalações renováveis –, o que levou à separação elétrica da Península Ibérica, em relação ao sistema continental, com perda de sincronismo e com colapso da frequência e tensão. Este tipo de perturbação nunca tinha sido identificado como causa de apagão em nenhum ponto da rede europeia. A confirmar-se esta conclusão, será necessária “uma análise e investigação aprofundadas, por parte de todos os especialistas em sistemas elétricos da ENTSO-E”, bem como a adoção de novas medidas para reforçar a resiliência, lê-se relatório da ENTSO-E, citado pela agência Lusa.
Entre as medidas a implementar, sobressai a necessidade de “melhorar os procedimentos e [as] capacidades de gestão do controlo da tensão de todos os intervenientes ativos do sistema elétrico”, de modo a evitar, no futuro, incidentes graves conexos com a tensão. A outra linha de atuação consiste em avaliar se os planos de defesa em vigor são capazes de proteger o sistema elétrico europeu contra “este novo tipo de fenómeno”.
Durante o incidente, os planos automáticos de resposta foram ativados em Portugal e na Espanha, como previsto nos regulamentos europeus, mas não evitaram o colapso da rede. Contudo, o relatório destaca a rapidez e a eficácia do restabelecimento, com a REN – Redes Energéticas Nacionais (de Portugal), a concluir a recuperação do sistema às 00h22 de 29 de abril, e a REE – Red Eléctrica de Espanha, por volta das 4h00.
Embora o prazo legal para produzir o relatório factual sobre o incidente seja 28 de outubro de 2025, seis meses após o incidente, o painel de peritos pretende entregá-lo antes. Este será seguido de um relatório final, com recomendações à Comissão Europeia e aos estados-membros da União Europeia (UE), que deverá ser entregue, dois a três meses depois.
***
A
ministra do Ambiente e Energia garantiu que as 31 medidas do plano com um custo
superior a 400 milhões de euros terão um impacto residual, em termos de tarifa,
estimando que, por cada 25 euros de fatura de eletricidade, se verifique o
aumento de um cêntimo, isto é, de 0,04%.
O Plano de Reforço da Segurança do Sistema
Elétrico Nacional prevê, efetivamente, 31 medidas, que ascenderão, no seu
conjunto, a 400 milhões de euros. Porém, como referiu Maria da Graça Carvalho, nem
todas as medidas irão à tarifa, já que algumas provirão de fundos europeus.
Assim, prevê-se que a fatura registe um aumento de 0,04%, isto é, um cêntimo,
por cada 25 euros.
Entre as medidas do plano, estão a agilização do investimento de 137 milhões de euros para o reforço
da capacidade de operação e controlo da rede elétrica, que
já estavam previstos pela REN e aprovados pela Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos (ERSE), através da aprovação de uma autorização autónoma para que
possa ser executado “o mais rapidamente possível”. Adicionalmente, o plano prevê o lançamento de um leilão para baterias de armazenamento,
até 2026, e apoios no valor de 25
milhões de euros, para melhorar a capacidade de resposta das
infraestruturas críticas, como hospitais, dotando-as, por exemplo, de painéis
fotovoltaicos e de baterias. “Claro
que podíamos aumentar as medidas que estamos a fazer aqui, mas iríamos pagar mais,
é sempre um balanço que fazemos, [...] pensamos que estas são as medidas
suficientes para aumentar a segurança operacional da rede sem impacto
significativo nas tarifas dos Portugueses”, salientou a ministra do Ambiente e
Energia.
***
Há um mês o governo espanhol apresentou uma extensa lista de
compromissos para reforçar a resiliência do sistema elétrico, mas o plano foi
reprovado pelos deputados.
O governo
português, no dizer de Miguel Prado, “estabeleceu um conjunto de iniciativas
que visam reforçar a resiliência do sistema elétrico, planear melhor a rede,
acelerar as energias renováveis, otimizar a capacidade de resposta das
infraestruturas críticas e ampliar a colaboração internacional”. Entre os tipos
de investimentos apontados destacam-se três: investimentos da REN no reforço da segurança da rede elétrica; apoios
a projetos de microrredes e de sistemas de segurança para infraestruturas críticas;
e projetos de baterias que poderão participar num leilão de serviços de
sistema para uma capacidade de, pelo menos, 750 MVA (megavolt-ampères),
a lançar até janeiro de 2026, e que deverá mobilizar investimentos de 200
milhões de euros (ou 100 milhões de euros, se também participarem no leilão os
promotores de projetos já selecionados para os apoios de cerca de 100 milhões
de euros do Fundo Ambiental).
Segundo
Miguel Prado, os serviços de sistema servem para o operador da rede “equilibrar, de forma
perfeita, a produção e o consumo de eletricidade, segundo a segundo,
sendo necessário, muitas vezes, ativar alguns recursos para corrigir
desequilíbrios”. No sistema elétrico, tais serviços são vistos como uma
componente essencial, que é operada em complemento ao mercado diário de compra
e venda de eletricidade. E, para alguns produtores de eletricidade, são importante
fonte de receita, já que o caráter crítico desses serviços leva à elevação do
preço pago.
Contudo, grande parte das
iniciativas do plano não tiveram do governo a contabilização de investimentos,
incluindo aspetos diversos, como “garantir o funcionamento da [central a gás
da] Tapada do Outeiro, até 2030”, ou como elaborar uma estratégia nacional para
o armazenamento de energia, ou como “fortalecer a Cibersegurança do sistema
elétrico nacional”.
Há também
iniciativas vagas, como “rever e melhorar a coordenação da atuação de proteções
no sistema elétrico nacional” ou como “criar uma plataforma de dados abertos
que permita uma consulta de dados de forma mais transparente e analítica
avançada”.
Na gestão da rede elétrica, Miguel Prado destaca várias ações prometidas pelo governo, que incluem, por exemplo:
* Duplicar as centrais com capacidade de arranque autónomo, em cenário de apagão;
* Reformular o funcionamento das “zonas de grande procura”, onde existam pedidos de muita capacidade na rede para ligar pontos de grande consumo (indústrias eletrointensivas), e lançar leilões de capacidade de injeção na rede;
* Alinhar o relatório de monitorização da segurança de abastecimento com a metodologia europeia de adequação de recursos, incluindo a análise da segurança operacional da rede elétrica;
* Acelerar a instalação de projetos de energias renováveis, apresentando um estudo de avaliação ambiental estratégica para zonas privilegiadas de energia verde, facilitando o licenciamento e isentando de avaliação ambiental alguns projetos de baterias;
* Simplificar o licenciamento de projetos de autoconsumo e de comunidades de energia;
* Rever as compensações aos municípios.
Para as infraestruturas
críticas, o governo prometeu quatro ações: canalizar 25 milhões de euros
para as infraestruturas críticas (como hospitais) instalarem painéis
fotovoltaicos e baterias e para operarem em cenário de
apagão; atualizar
procedimentos ,em caso de crise energética; rever
procedimentos de simulacro; e rever os critérios da REPA – Rede de Emergência de Postos
de Abastecimento de Combustível.
O plano de Sánchez previa diversas medidas, como:
* Dar ao regulador da energia seis meses, para produzir um relatório, sobre se os produtores de eletricidade na Espanha estão a cumprir as obrigações de controlo de tensão, e 12 meses, para desenhar um plano de inspeções às capacidades de reposição de abastecimento de eletricidade na Espanha, visando, em particular, as que devem operar com arranque autónomo;
* Analisar, num prazo de seis meses, nova regulação das respostas a dar pelos produtores de eletricidade às variações de tensão;
* Aprovação pelo governo de atuações específicas da gestora da rede espanhola para controlo de tensão e reforço da resiliência do sistema elétrico, o que poderá incluir a dispensa de pareceres do regulador e das comunidades autónomas;
* Penalizações por incumprimento dos deveres de controlo de tensão, por parte dos produtores de eletricidade;
* Declarar de utilidade pública os projetos de baterias e os pontos de carregamento de veículos elétricos de potência superior a 3 kW (três quilowatts);
* Declarar a urgência dos procedimentos de licenciamento de projetos de baterias hibridizados (com projetos de produção de eletricidade) e isentá-los de avaliação de impacte ambiental.
Havia, segundo o editor de Economia do Expresso, outro ponto relevante da intervenção do governo espanhol, que passava por rever, regularmente, o planeamento da rede elétrica. Os planos que, até agora, eram feitos de seis em seis anos, passariam a estar sujeitos a revisão intercalar obrigatória ao terceiro ano. Seria forma de atualizar mais regularmente o planeamento da rede.
A este respeito, o governo português defendendo um “planeamento de rede célere e eficaz”, pretende “reformular o modelo de planeamento das redes de transporte e distribuição de energia”, com a “obrigatoriedade de reporte periódico de progresso dos projetos de investimento em curso”, o que permitirá ao regulador e ao governo maior controlo da adequação da rede às necessidades do país. No entanto, a proposta apresentada pela ministra do Ambiente e Energia é omissa, quanto a calendários e quanto a pormenores sobre esta intenção.
Na conferência de imprensa de apresentação do plano, Maria da Graça Carvalho assegurou que, das medidas apresentadas, a que requer apreciação parlamentar é a relativa à Cibersegurança, podendo as outras ser aprovadas pelo executivo, sem ter de esperar pelo debate na Assembleia da República (AR). Por outro lado, reiterou que “os nossos sistemas são globalmente seguros, resilientes e confiáveis”. “O que se passou a 28 de abril não foi causado por qualquer falha dos nossos sistemas”, sublinhou. Todas as análises técnicas até hoje corroboram essa posição, admitindo que o apagão ibérico resultou de falhas na Espanha, com origem no Sudoeste do país.
A REE denunciou anomalias no funcionamento de alguns produtores de eletricidade, nomeadamente, de uma central solar da Iberdrola, em Badajoz. Porém, os maiores produtores eletricidade têm contestado a sua leitura, imputando à REE falhas no seu trabalho de garantia de normalidade na rede e o não ter conseguido “assegurar o correto funcionamento do controlo de tensão com os mecanismos que tinha à sua disposição”.
***
Ainda não se conhece a quem imputar a responsabilidade pelo apagão, que, não sendo inédito, causou muitos prejuízos, no país, a nível público e privado (foi o mais grave de sempre, na Península Ibérica, e o mais penoso do século, na Europa, ainda que já tenha havido outros bem penosos, sobretudo, na Ásia). É claro que as entidades lesadas, após as investigações definitivas, terão direito a serem ressarcidas pelos prejuízos. É óbvio, os dois governos – espanhol e português – têm estado em ação: um com planos rejeitados pelo poder legislativo; o outro, sem delinear, em pormenor, todas as medidas e a tomar algumas já previstas antes do apagão.
Veremos se os sistemas elétricos vão mesmo deixar de fintar os dois países e a UE e esperemos que não haja mais teorias nem comportamentos de conspiração.
2025.07.29
– Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário