domingo, 20 de julho de 2025

Calor na Europa leva a perdas de PIB, de produtividade e de vidas

 
O aumento do calor afeta a economia europeia e os investigadores preveem que as perdas no produto interno bruto (PIB) e na produtividade se agravem, nas próximas décadas. Efetivamente, 2024 foi o ano mais quente de que há registo, tanto na Europa como a nível mundial, com temperaturas que ultrapassaram os níveis anteriores, desde 1850. E, a nível mundial, os últimos dez anos marcam a década mais quente de que há registo. Tal fenómeno requer medidas de atenuação ou de adaptação.  
De acordo com o relatório sobre o estado do clima na Europa, a Europa é o continente que regista o aquecimento mais rápido da Terra, tendo a temperatura aumentado o dobro da taxa média global, desde a década de 1980. E os estudos mostram que a crescente frequência das ondas de calor tem impactos significativos na economia europeia, levando a perdas no PIB e na produtividade do trabalho. Os peritos antecipam que estes impactos aumentem, acentuadamente, nas próximas décadas.
Os efeitos do aumento das temperaturas variam, significativamente, em toda a Europa, mas há países que enfrentam as maiores perdas no PIB e na produtividade do trabalho. Num estudo publicado na Nature Communications, o conselheiro científico do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação de Espanha, David García-León e os colegas analisaram as ondas de calor em quatro anos atipicamente quentes – 2003, 2010, 2015 e 2018 – e compararam os seus impactos com a linha de base histórica de 1981 a 2010.
Nesses anos, os danos económicos estimados das ondas de calor variaram entre 0,3% e 0,5% do PIB da Europa, abrangendo a União Europeia (UE) a 27, o Reino Unido e os países da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) – valor que representa 1,5 a 2,5 vezes as perdas económicas médias anuais devidas a calor extremo, no período 1981-2010, de cerca de 0,2% do PIB. Isto, partindo do princípio de que não se aplicou qualquer medida de atenuação ou de adaptação.
Prevê-se que as perdas económicas médias resultantes das ondas de calor aumentem da média histórica de 0,21% do PIB, em 1981-2010, para 0,77%, em 2035-2045, para 0,96%, em 2045-2055, e mais de 1,14%, na década de 2060. Tais previsões podem mudar, consoante a variação dos números em relação à média.
Países do Sul da Europa, como Chipre, a Croácia, Portugal, Malta, a Espanha e a Roménia apresentam as maiores perdas económicas previstas, impactos que atingirão ou excederão -2,5% do PIB, no período 2055-2064. Já a Grécia e a Itália (ambas com -2,17%) e a França (-1,46%) registarão perdas significativas, até à década de 2060. Todos estes países já são vulneráveis, devido aos seus climas mais quentes, e prevê-se que registem os aumentos mais dramáticos nos danos causados pelas ondas de calor.
O Reino Unido, a Irlanda, a Dinamarca, os Países Baixos e a Bélgica registam impactos mais baixos, no PIB, mantendo-se, geralmente abaixo de -0,5%, mesmo nos cenários futuros mais pessimistas. Porém, quase todos os países, mesmo nas regiões mais frias, apresentam tendência consistente para a baixa, indicando agravamento dos efeitos, com o tempo.
O relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2024, que abrange 23 países – incluindo 21, na Europa, juntamente com o Japão e a Coreia do Sul – sustenta, com base em dados meteorológicos pormenorizados e em informações financeiras de mais de 2,7 milhões de empresas, entre 2000 e 2021, que as temperaturas elevadas reduzem a produtividade do trabalho. E conclui que o aumento do número de dias com temperaturas elevadas e a ocorrência de vagas de calor reduzem, em muito, a produtividade do trabalho.
As estimativas mostram que dez dias extra, acima de uma temperatura de 35°C, num ano, resultam na redução de 0,3%, na produtividade anual do trabalho das empresas, de 0,2%, quando medida acima dos 30°C. Já quando a temperatura é superior a 40°C, o impacto aumenta, acentuadamente, reduzindo a produtividade em mais de 1,5%, atingindo 1,9%. Os efeitos variam entre -1,1% e -2,7%, o que sugere que, neste cenário, as perdas podem exceder 2,5%.
As simulações da OCDE revelaram as potenciais perdas de produtividade devidas ao stresse térmico, em todos os países, no período de amostragem e no futuro. A Espanha registou a maior alteração, na produtividade do trabalho, devido ao aumento dos dias de stresse térmico, com um declínio de 0,22% entre os períodos de 2000-2004 e de 2017-2021. Seguiram-se a França e a Hungria, cada uma com a perda de 0,13%. Outros países com perdas de 0,1% ou mais incluem a Eslováquia, a Bulgária, a Eslovénia, a Itália, a Polónia e a Roménia.
Quando o stresse térmico é se alia ao aumento de temperatura de 2°C na simulação, representando as condições futuras, a perda de produtividade aumenta, acentuadamente. Assim, a produtividade do trabalho pode cair mais de 0,8%, em Espanha, e cerca de 0,5%, em Itália e na Bulgária. Em contraponto, os países do Norte, como a Dinamarca e a Finlândia, registarão as menores perdas. Nas cinco maiores economias da Europa, o Reino Unido regista, sistematicamente, o menor declínio da produtividade, nestes cenários.
Segundo David García-León, já são comuns, na Europa, algumas práticas de adaptação. Por exemplo, os trabalhadores ao ar livre mudam o seu horário de trabalho, no verão, e fazem pausas obrigatórias, para evitar o stresse térmico. Tais práticas têm de ser alargadas às regiões mais setentrionais, à medida que as ondas de calor se tornam mais frequentes e intensas.
Também alguns países implementaram ferramentas como sistemas localizados de alerta precoce para situações de calor extremo, mas é necessário alargá-las a toda a Europa.
Hélia Costa, economista da OCDE, salientou que muitos países já implementaram ou propuseram medidas, como a regulação do trabalho ao ar livre, durante as ondas de calor. E apresentou duas prioridades políticas fundamentais: a urgência de manter e de aumentar os esforços de mitigação climática, para travar a intensidade e a frequência crescentes das ondas de calor e, assim, reduzir os danos na fonte”; e “a importância de adotar medidas de adaptação, como melhorar a ventilação dos locais de trabalho, ajustar os horários de trabalho, para evitar os picos de calor, ou expandir os espaços verdes urbanos, para baixar a temperatura ambiente”.
García-León, considerando que as medidas anteriores já não são suficientes, dada a frequência e intensidade crescentes dos fenómenos de calor extremo, recomenda que “as políticas de saúde no trabalho” sejam “complementadas por políticas públicas mais amplas que apoiem a conceção de planos de adaptação locais”, por exemplo, “medidas de planeamento urbano e espacial”, para mitigar o efeito de ilha de calor”.
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Segundo um estudo rápido, cerca de 1500 pessoas, em 12 cidades europeias, morreram, devido às alterações climáticas, na última vaga de calor. Assim, a última onda de calor, um “assassino silencioso”, terá provocado mais mortes do que as inundações de Valência, em 2024.
De acordo com cientistas do Imperial College London e da London School of Hygiene & Tropical Medicine, a queima de combustíveis fósseis tornou as ondas de calor até 4°C mais quentes na Europa, triplicando o número de mortes conexas com o calor, entre 23 de junho e 2 de julho.
É a primeira vez que se efetua uma análise rápida para uma vaga de calor, medindo a influência das alterações climáticas num acontecimento meteorológico extremo. Porém, como a análise só abrange 12 cidades, os investigadores estimam que o verdadeiro número de mortos, em toda a Europa, ascende a dezenas de milhares. “Isto mostra que as alterações climáticas são um fator de mudança absoluta, quando se trata de calor extremo, mas ainda são muito pouco reconhecidas”, afirma Friederike Otto, professora de Ciências Climáticas no Centro de Política Ambiental do Imperial College de Londres, vaticinando: “Se continuarmos a seguir os desejos da indústria dos combustíveis fósseis e atrasarmos ainda mais a mitigação séria, cada vez mais pessoas perderão as suas vidas, para benefício financeiro de apenas uma minoria minúscula, rica, barulhenta e influente.”
Para chegarem a tais conclusões, os investigadores começaram por analisar dados meteorológicos históricos para verem qual teria sido a intensidade das temperaturas, num Mundo que não tivesse sofrido o aquecimento de 1,3°C, e concluíram que as alterações climáticas causadas, principalmente, pela queima de petróleo, de carvão e de gás e, em muito menor grau, pela desflorestação, tornaram a onda de calor um grau a 4°C mais quente. Além disso, as ondas de calor estão a chegar mais cedo, em junho.
Uma investigação separada do serviço da UE para as alterações climáticas, Copernicus, publicada a 9 de julho, mostra que junho de 2025 foi o quinto junho mais quente de que há registo, na Europa, marcado por duas ondas de calor significativas. No segundo evento, entre 30 de junho e 2 de julho, as temperaturas do ar à superfície ultrapassaram os 40°C, em vários países, chegando a atingir 46°C, na Espanha e em Portugal.
A equipa da World Weather Attribution utilizou estudos anteriores sobre a conexão entre o calor e o número de mortes diárias, independentemente da causa, nas 12 cidades. Estimou o número de mortes conexas com o calor, tanto na recente vaga de calor como num hipotético evento mais frio, ao longo de dez dias. E estimou que cerca de 1500 pessoas morreram, devido às temperaturas extremas registadas nas cidades, de Lisboa a Budapeste (no total de 2300). Ou seja, se o clima não tivesse aquecido, haveria menos 1500 mortes em excesso, o que significa que as alterações climáticas estão na origem de 65% destas mortes em excesso.
“Embora o número de mortes causadas pelas ondas de calor seja estimado, visto que é impossível obter estatísticas em tempo real, está correto, como demonstrado em muitos estudos revistos por pares”, afirmou Friederike Otto aos jornalistas, frisando: “Estes números representam pessoas reais que perderam a vida nos últimos dias, devido ao calor extremo. E dois terços destas pessoas não teriam morrido, se não fossem as alterações climáticas.”
As alterações climáticas estiveram na origem de 317 das mortes por excesso de calor estimadas, em Milão, 286, em Barcelona, 235 em Paris, 171, em Londres, 164, em Roma, 108, em Madrid, 96, em Atenas, 47, em Budapeste, 31, em Zagreb, 21, em Frankfurt, 21, em Lisboa e seis, em Sassari. Nestes termos, o número provável de mortos foi superior ao de outras catástrofes recentes, como as inundações de Valência, no ano passado (224 mortos) e as inundações de 2021, no Noroeste da Europa (243 mortos). E, embora o maior número de mortes em excesso tenha ocorrido em Milão, a maior proporção terá ocorrido em Madrid: 90%, devido a significativo aumento das temperaturas, que ultrapassaram o limiar em que as mortes por calor aumentam rapidamente. Uma das razões é a posição central de Madrid. Quanto mais longe da costa, mais forte é o “sinal de mudança climática” no calor extremo, porque o oceano aquece mais lentamente do que a terra. Lisboa, ao invés, beneficia do facto de ser costeira.
Segundo Garyfallos Konstantinoudis, professor no Grantham Institute – Climate Change and the Environment, Imperial College London, “cada fração de grau de aquecimento faz uma enorme diferença, seja 1,4, 1,5 ou 1,6°C”; e “estas alterações, aparentemente pequenas, resultarão em ondas de calor mais quentes e em enormes aumentos de mortes por calor”.
De acordo com o estudo, as pessoas com 65 anos ou mais representam 88% das mortes conexas com as alterações climáticas e as pessoas com problemas de saúde subjacentes correm maior risco de morte prematura em ondas de calor. Em confronto com as inundações e com os incêndios florestais, as ondas de calor são um assassino silencioso.
Malcolm Mistry, professor assistente da London School of Hygiene & Tropical Medicine, afirma que “a maioria das pessoas que perdem a vida em ondas de calor morre em casa ou em hospitais, porque o seu corpo fica sobrecarregado e cede a problemas de saúde pré-existentes [como doenças cardíacas, diabetes e problemas respiratórios]”.  E Friederike Otto adverte que “as pessoas de todas as idades devem levar a ameaça a sério, ao contrário do que algumas imagens mediáticas de pessoas a brincar nas praias possam sugerir”, pois “muitas pessoas podem pensar que são invencíveis, mas não são”.
Como dissemos, os investigadores dizem que foram feitos progressos, na Europa, no atinente ao desenvolvimento de planos nacionais de ação contra o calor, que definem as medidas a tomar, antes e durante ondas de calor, e as autoridades têm vindo a divulgar melhor a mensagem. Contudo, para proteger as pessoas das ondas de calor mais perigosas, são cruciais estratégias, a longo prazo, para reduzir o efeito de ilha de calor urbana, como a expansão dos espaços verdes e azuis e medidas a curto prazo, como a criação de centros de arrefecimento e a implementação de sistemas de apoio aos cidadãos mais vulneráveis. E, em última análise, há que reduzir, drasticamente, as emissões de gases com efeito de estufa (GEE).
“Um clima mais quente agrava as ondas de calor”, afirma Richard Allan, professor de ciências climáticas na Universidade de Reading, no Reino Unido, não envolvido na análise, vincando: “As comunidades têm de se adaptar a um Mundo cada vez mais perigoso, com infraestruturas mais resistentes e com melhores sistemas de alerta. Porém, só com reduções rápidas e maciças dos gases com efeito de estufa, com a colaboração de todos os setores da sociedade, será possível conter o agravamento dos fenómenos meteorológicos extremos.”
Por fim, Chloe Brimicombe, cientista climática da Royal Meteorological Society, porfia que “investigações como esta são importantes e estão a ser cada vez mais utilizadas em processos judiciais relacionados com as alterações climáticas, em que grupos levam países e empresas a tribunal por causa destas”.
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A situação não melhora com o tempo. Urgem as medidas de atenuação e de adaptação, bem como as medidas eficazes de proteção às pessoas mais vulneráveis. É questão económica, mas é, antes de mais, questão de vida ou de morte. Para lá do decréscimo do PIB e da produtividade, as alterações climáticas poderão causar mais 2,3 milhões de mortes, na Europa, até 2099, o que desmascara as teorias que as alterações climáticas podem ser benéficas para as mortes conexas com a temperatura, à medida que a Europa aquece. De facto, um estudo de modelização de investigadores do Laboratório de Modelagem Ambiental e Saúde (EHM) da London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM), publicado na Nature Medicine, revela que as alterações climáticas resultarão em mais de 2,3 milhões de mortes adicionais conexas com a temperatura, em 854 cidades europeias, até 2099, se as emissões de carbono não forem reduzidas. Porém, 70% delas serão evitadas se se tomarem medidas rápidas.
É um aviso-apelo dos cientistas, a bem do planeta e da Humanidade.

2025.07.20 – Louro de Carvalho


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